Economia Informal: um problema ou uma solução?
Estudos comprovam que o florescimento do sector informal traz consigo diversos problemas e desafios que preocupam o Estado, a sociedade e o funcionamento normal da economia em toda sua cadeia. De acordo com Adelino Buque, Presidente da Associação Comercial de Moçambique, uma economia mais formal contribuiria na arrecadação de receitas por parte do Estado que, por sua vez, ajudaria na construção de várias infra-estruturas sociais tidas como básicas para o desenvolvimento do país.
O Instituto Nacional de Estatística (INE) aponta que cerca de 80% da economia moçambicana é informal, com uma contribuição estimada em 40% no Produto Interno Bruto (PIB).
A manifestação do sector informal nas principais artérias das cidades do país não desmente estes dados.
Aliás, a proliferação do sector informal não é um problema só de Moçambique. Por exemplo, um estudo intitulado “O Impacto da Economia Informal no Processo de Desenvolvimento na África Subsariana”, realizado em 2010, revela que a economia informal nos países africanos representa uma média de 60% do peso do PIB e contribui grandemente para fazer face a problemas como o desemprego e a pobreza.
Ou seja, estes números deixam claro que grande parte das populações dos países africanos sobrevive na base da economia informal.
As actividades informais, em Moçambique, são praticadas na sua maioria por mulheres, segundo que os dados do Inquérito Nacional ao Sector Informal (INFOR – 2004), dão conta que 58.5% da população economicamente activa que pratica as actividades informais são do sexo feminino.
Outrossim, os dados ilustram que a economia informal é mais praticada no sector da agricultura (35,0%), sendo o comércio e turismo (29.3%) outros sectores que tem registado a maior densidade da informalidade.
De acordo com Adelino Buque, já faz tempo que o sector informal se instalou e praticamente assaltou a actividade comercial formal.
E mais, tal como faz referência Buque, o comércio informal não só se manifesta nos “dumbanengues” ou vias públicas. É, também, comum nos mercados formais e municipais.
“Tu tens o centro onde se concentra a maior oferta da mercadoria fresca em Maputo – Zimpeto – apesar de ser um mercado municipal é dominantemente informal, tudo que acontece naquele mercado é extremamente informal”, revelou Adelino Buque.
Por que as pessoas permanecem no sector informal?
As causas das pessoas permanecerem no sector informal são diversas, segundo Buque, variando de país para país consoante o tipo de organização económica e social, regime político e os moldes em que é praticada a economia informal, dividindo-se em causas relativas à arena jurídica, política, económica e social.
Assim, advoga-se que o recurso ao informal é mais fruto de uma necessidade originada pela retracção do sector formal que não proporciona novas oportunidades de emprego ou de subsídio de desemprego.
“Nós temos um nível de desemprego muito alto no nosso país e o mercado informal tem sido tubo de escape para uma tensão social que resulta por falta de emprego, da falta de ocupação de algumas pessoas, sobretudo, jovens”, constatou Buque.
Ademais, grande parte da população economicamente activa trabalha por conta própria e sem empregados, o que compõe 64%.
A outra causa não menos importante prende-se com o vício eleitoral. Tal como avança Buque, os políticos pensam que aquelas pessoas que estão no mercado informal, se lhes aplicar a regra do mercado, das posturas – quer municipais quer outras – não serão seus eleitores. Então, por via disso, preferem olhar para aquilo com vista grossa e pensar que estão a capitalizar para que no próximo pleito eleitoral sejam reeleitos.
Também, a participação na economia informal pode ser pensada no quadro de uma análise custo-benefício em que o respeito pelas normas permite aceder a um conjunto de benefícios, mas acarreta custos, consoante a importância de uns e outros. O agente económico tenderá a optar pela formalidade ou pela informalidade.
“Então, não devemos olhar para o mercado informal como solução dos problemas, é preciso encontrar uma forma de acomodar essas pessoas, é preciso enquadrá-las de uma forma que cumpram as obrigações que todos os outros têm porque, no fim do dia, se fores a reparar, eu não diria que o mercado informal está a trazer alguma solução, está a agravar os problemas das cidades”, desabafou Buque.
A outra irregularidade que se perpetua no mercado informado é a especulação de preços. “Tu tens um mercado como do Zimpeto que vende produtos frescos e tens as pessoas que vão lá comprar para revender. A pessoa compra 1 kg por 5 MT, por exemplo, e vende por 25. Este é um efeito do mercado informal. A primeira coisa que vai acontecer é que aquele indivíduo que traz mercadorias e vende a 5 MT vai ficar ali o dia inteiro porque a sua mercadoria é vendida a 25 e muito pouca gente consegue ter acesso a esse produto”, denunciou Buque e acrescentou que “aqui começa a disfunção do próprio mercado, o produtor fica a perder porque tem a sua mercadoria que não sai, e o consumidor fica a minguar de fome porque tem produtos que não tem acesso já que o custo do produto é muito alto”.
E mais, a falta de vínculo laboral permite que o empregador apenas garanta o salário, que muita das vezes é irrisório, mas não garante outros direitos ou garantias, tais como: a assistência médica, descanso, férias, etc., o que faz com que embora seja considerado um colaborador, oficialmente continue desempregado.
“Se tu trabalhas para mim no mercado informal eu não vou te pagar o salário mínimo que o Estado decreta. Eu vou combinar consigo, pago-te 1000 MT, tu estás feliz, ou não, vai embora. Ninguém vai me obrigar seja lá o que for. Se tu estiveres doente e és meu empregado eu arranjo outro”, denunciou Buque.
Por seu turno, o académico e pesquisador João Mosca diz que apesar dos progressos significativos registados no quadro legislativo da protecção social, em termos de alargamento da assistência social e da recente incorporação dos trabalhadores informais no quadro de segurança social contributiva, a cobertura permanece limitada.
De acordo com o Director Executivo do Observatório do Meio Rural, os trabalhadores da economia informal têm de contribuir com um mínimo de 7% do salário mínimo correspondente à sua profissão registada, mas muitos trabalhadores da economia informal ganham abaixo do salário mínimo.
Outras nuances da economia informal têm que ver com a subestimação dos dados estatísticos, o que cria distorções no cálculo das variáveis macro-económicas como o PIB, Rendimento Disponível, Inflação e a Taxa de Desemprego.
Se, por um lado, são apontados custos ou problemas relativos ao sector informal para a nossa economia, por outro, também podem ser levantados alguns benefícios, como a possibilidade de olhar-se para a economia informal como uma escola de empreendedorismo do empresariado nacional.
Ademais, é visto como uma oportunidade para as camadas mais desfavorecidas. Por essa razão, Mosca chama atenção para o cuidado que as medidas administrativas devem ter ao lidar com a informalidade.
“Dedicam o seu rendimento, sobretudo, às suas despesas da família: casa, alimentação, as crianças, saúde. Significa que a economia informal responde a satisfação mínima das necessidades básicas da população que não têm outros recursos para além daquela actividade. Portanto, resolve o problema de muitos milhões de pessoas e isso tem que ser considerado como uma questão que é preciso se ter muito cuidado quando falamos em economia informal”, descreve o académico.
Por outro lado, Mosca é da opinião que a economia informal fornece produtos indispensáveis para a comunidade que são quase inteiramente produzidos e comercializados por operadores informais, como por exemplo, carvão e lenha.
Tal como avança a fonte, é muitas vezes na informalidade que muitos cidadãos asseguram a sua sobrevivência, tornando-o um elemento de flexibilização da economia em períodos de crise económica.
Economia Informal: um problema ou uma oportunidade?
As opiniões divergem sobre a forma como devemos olhar para a economia informal, no sentido de ser um problema ou uma oportunidade.
“Não há como pensar que o mercado informal é uma solução dos problemas, não é possível”, afirma Buque, categórico. Para o gestor, “o sector informal está a adiar a solução dos problemas, está a distorcer de forma gravíssima aquilo que são as regras do mercado, o dia que nós acordarmos e dissermos que isto tem que estar na linha provavelmente haverá muita dificuldade para pôr as coisas no seu lugar, porque as pessoas já estão ganhando vícios, já estão a olhar para aquilo como uma forma de ser e de estar”.
Formalização do informal
Na sua obra intitulada, Informalidade e recomposição do Estado. O tratamento de pobreza urbana no município da Beira, o investigador Egídio Guambe diz que em Moçambique as actividades informais iniciaram ainda no período colonial e foram severamente combatidas após a independência devido a orientação política adoptada, baseada numa organização estritamente burocrática, ou seja, formal.
Deste modo, na sua percepção, tudo que não fosse formal era visto de forma preconceituosa e marginalizante, estimando-se que mais de 50 mil candongueiros (expressão que era usada para designar as pessoas que praticavam a actividade informal) nas cidades de Maputo e Beira foram deportadas para as matas, sobretudo, nas províncias de Cabo Delgado e Niassa para produção agrária, pois eram considerados improdutivos.
Contudo, no início dos anos 2000, o Estado criou politicas com vista a inserção dos actores informais na economia formal.
Para Guambe, essa mudança de cenário justifica-se pelo reconhecimento do papel social e de sobrevivência que esse sector desempenhou nos finais dos anos 1980, face ao elevado custo de vida e da situação da pobreza generalizada no país em resultado dos efeitos do Programa de Reabilitação Económica e da Guerra de desestabilização.
Como forma de materializar esse desiderato, o Governo aprovou o Decreto no 49/2004, de 17 de novembro – Regulamento do Licenciamento da Actividade Comercial, o qual estabelece que o licenciamento da actividade comercial não só inclui o agente comercial clássico como também a banca, a barraca, a cantina e o comércio ambulante.
Do ponto de vista tributário, houve introdução de impostos modernos, com destaque para a criação do Imposto Simplificado para Pequenos Contribuintes (ISPC), direccionado para educar, facilitar ou cumprir de forma mais simplificada às contribuições tributárias e incluir as actividades informais.
Em jeito de fecho, Adelino Buque, entende que o processo de formalização do informal é um desafio ou uma luta longe de ser travada, acreditando que a retórica governativa é a principal razão que está por detrás da “fragilidade” de todo esse processo.
Veja o video a seguir: