
Problema da baixa produtividade sem fim à vista
A lenta transformação e modernização deste sector deixa a agricultura moçambicana com baixa produtividade e fraco rendimento, comprometendo a sua competitividade.
Pior ainda é que os agricultores têm dificuldade de aceder ao crédito num sistema financeiro caracterizado por juros muito altos.
Por exemplo, a nível nacional, apenas 0,6% do total de explorações agrícolas tem acesso ao crédito.
Moçambique é, sem dúvidas, um país com condições naturais favoráveis para o desenvolvimento de um sector agrícola diversificado, competitivo, sustentável e dinâmico. Todavia, a lenta transformação e modernização deste sector deixa a agricultura moçambicana com baixa produtividade e baixo rendimento, comprometendo, assim, a sua competitividade.
Facto aludido pelo relatório referente ao Resumo dos Resultados do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) em Moçambique, lançado em 2018, o qual refere que embora a produtividade agrícola moçambicana tenha aumentado ligeiramente entre 2007 e 2017, passando de USD 287 por trabalhador em 2007 para USD 332 em 2017, continua entre as mais baixas dos países da região, os quais registaram um aumento de USD 573 por trabalhador em 2007 para USD 691 em 2017. Para este relatório, o aumento registado em Moçambique está mais relacionado com a expansão das áreas cultivadas do que com a modernização das tecnologias.
Por outro lado, as estatísticas agrárias (2016) demonstraram a existência de 4 milhões de explorações agrícolas em Moçambique, das quais 98% são pequenas explorações feitas por pessoas que não têm o mínimo de educação para poder exercer a actividade agrícola, o que significa que as pessoas não sabem e nem estudam o que estão a fazer e, por isso, não possuem conhecimento suficiente para lidar com os desafios que a agricultura apresenta, sejam da natureza ou do mercado. Portanto, para Siúta, se nós queremos desenvolver o sector agrícola “a melhor maneira é levar as técnicas para o sector agrícola, permitir que poucas pessoas consigam produzir muito para as outras pessoas que ficarem de fora serem educadas para fazer outro tipo de actividade.”
Por via disso, grande parte dos moçambicanos que têm a agricultura como principal fonte de rendimento apresenta dificuldade de aceder ao crédito no sistema financeiro, caracterizado por juros muito altos. Por exemplo, a nível nacional, apenas 0,6% do total de explorações agrícolas tem acesso ao crédito, o que corresponde a 24 mil explorações agrícolas do total de 4 milhões apresentadas nas estatísticas agrárias 2016.

Joao Mosca – Director Executivo do Observatório do Meio Rural
“Isso significa que, também, na política económica do Governo deve haver mecanismos de fazer com que a agricultura seja uma actividade competitiva na alocação de recursos, por exemplo, o crédito”, sublinha Mosca.
Isto representa um desafio para a produtividade do sector, pois o pequeno agricultor não consegue fazer o pleno uso e aproveitamento do potencial agrícola ao seu dispor, tanto pelo nível de insumos usados como pelo facto de deter pequenas parcelas de terra que não são tratadas regularmente e que somadas significam grandes extensões de terra em subaproveitamento. Pois, dos 36 milhões de hectares (ha) de terra arável, menos de 20% são actualmente usados e dos cerca de 3.3 milhões de ha de terras irrigáveis, apenas 150 000 ha são irrigados.
O que concorre para que a maioria da população continue estagnada na pobreza e seja dependente de uma agricultura de subsistência com baixa produção, baixo rendimento e incapaz de garantir a segurança alimentar e uma qualidade de vida aceitável.
“Uma agricultura que sirva só para subsistência não ajuda para o nosso país, se nós queremos melhorar a nossa qualidade de vida”, refere Mosca.
Assim, a promessa do presidente Nyusi, se for cumprida, significará mais recursos financeiros para o sector agrário e, se forem bem usados no fim a que se destinam, poderão contribuir para melhorar a produtividade agrícola e a produção agrícola no país. Portanto, há varias opções viáveis que podem ser adoptadas e cabe ao Governo decidir sobre a melhor opção de utilização desses recursos conforme os seus objectivos e prioridades, confessadas e não confessadas.
Segundo o estudo de Yara Nova (2019) intitulado “Agricultura: Produz-se o que não se consome e importa-se o que se consome”, este sector enfrenta diversos constrangimentos, como: (1) a baixa produtividade resultante do pouco uso de insumos agrícolas e tecnologias de mão-de-obra intensiva; (2) dificuldades no acesso aos mercados de insumos, do dinheiro e de comercialização da produção; (3) baixa competitividade agrícola devido à produtividade e condições institucionais (mercados distorcidos e políticas instáveis e, muitas vezes, incoerentes); (4) dependência de importações e ausência de mecanismos de protecção; (5) investimentos em mega projectos que se traduzem em poucos benefícios para os pequenos produtores e famílias; (6) políticas públicas que, além de secundarizarem a agricultura, são instáveis e incoerentes.
Ademais, apesar do enorme potencial agrícola do país, Moçambique continua altamente dependente das importações de alimentos básicos. Estimando-se que dado o actual crescimento demográfico do país, a sua dependência da importação de alimentos deverá atingir 25% até 2040. A despeito disso, Mosca é da opinião que “mesmo que haja aumento da produção a população aumenta mais rapidamente e logo aquilo que é destinado a cada moçambicano, em termos de produtos alimentares, torna-se cada vez menor”, dai a necessidade de haver mais importação de produtos alimentares de consumo essencial de todos cidadãos.
O que sugere maior necessidade de melhoria e modernização das técnicas agrícolas, pois, a se concretizar, segundo o BAD, Moçambique poderia cultivar 38 milhões de ha de milho, 33 milhões de ha de algodão, 19 milhões de ha de café, 18 milhões de ha de soja e 12 milhões de ha de arroz, podendo tornar-se num dos maiores produtores da região. Além disso, o país possui recursos florestais significativos, também sub-explorados e que contribuem com apenas 3% no PIB.
“Agricultura é a base de desenvolvimento”, será?
A agricultura é uma actividade estabelecida constitucionalmente como a base de desenvolvimento nacional (no 1 do art. 103, CRM 2004). É comumente referenciada a necessidade do aumento da produção e da produtividade para que a agricultura desempenhe o seu papel no desenvolvimento.
Assim, segundo o estudo de Mosca (2015) intitulado “Agricultura Familiar em Moçambique: Ideologias e Políticas”, a transformação estrutural da agricultura é um tema que não surge nos discursos, nem são evidentes políticas e medidas que, de uma forma sistemática e duradoura, contribuam para o efeito. Entendendo que deveria caracterizar-se pelas seguintes principais mudanças: (1) maior intensificação da agricultura com o factor capital; (2) maior integração da agricultura nos mercados; (3) aquisição de mais conhecimento e domínio técnico por parte dos agricultores, seja através da formação e qualificação dos recursos humanos, como através da aplicação dos resultados da investigação; (4) por meio da extensão rural; (5) melhores infraestruturas produtivas e, por fim, (6) mais e melhores serviços aos produtores e aos cidadãos no meio rural.

Moisés Siúta – Pesquisador
Ora, o facto da agricultura continuar subdesenvolvida não é em si uma falha, como salienta Moisés Siúta, pesquisador do IESE, e sim o resultado de uma opção de crescimento e desenvolvimento que privilegiam o crescimento com poupança externa nas suas diversas formas: donativos, empréstimos e investimento estrangeiro.
“A partir do momento que nós temos uma grande parte da população que se beneficia desses canais de financiamento e a economia a crescer muito associado ao investimento estrangeiro, nós não podemos dizer que a agricultura é a base de desenvolvimento”, entende, assim, o esquisador.
Muitos governos africanos, incluindo moçambicano (grifo nosso), têm recebido estas iniciativas com entusiasmo, na expectativa de entradas de capitais e da criação do capitalismo agrário, em muitos casos beneficiando as elites. Internamente, diversas estratégias foram adoptadas sem que as funções essenciais da agricultura fossem asseguradas (Mosca, 2015).
Estas realidades, como avança o mesmo estudo, são, todavia, mais acentuadas em países ricos em recursos naturais, incluindo Moçambique (grifo nosso), onde se têm verificado conflitualidades políticas e sociais, maiores níveis de desigualdade social em desfavor do meio rural e dos camponeses, maiores êxodos rurais e défices alimentares crescentes. Estes são alguns elementos institucionais que agravam a pouca prioridade atribuída efectivamente ao sector agrário e ao desenvolvimento rural.
Por essa razão, Siúta considera que “nós temos que definir prioridades de desenvolvimento de acordo com aquilo que nós conseguimos nos tornar mais competitivos para podermos arrecadar rendimentos para melhoria da nossa qualidade de vida”.
Mas, em entrevista recentemente concedida ao O.Económico, João Mosca retruca defendendo que isso não anula que a agricultura é a base de desenvolvimento, “porque fornece matéria-prima, contribui para exportação, cria emprego e rendimento para as famílias, abrange a maior parte da população”.
A verdade é que, como eles sublinham, a alocação de recursos mobilizados por estes três mecanismos (donativos, empréstimos e investimento estrangeiro) não vai ter a agricultura como prioridade, isto é, essa actividade sempre ficará de lado por ser de rentabilidade baixa ou demorada. Denotando-se que, para o desenvolvimento da agricultura esta opção de desenvolvimento à base da poupança externa não tem sido uma opção viável.
Acompanhe o vídeo sobre o assunto: