Cimeira da CPLP em Bissau Decorada por Ausências de Peso e Desafios Estruturais

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Questões-Chave:

  • Moçambique marca presença ao mais alto nível, mas líderes de Portugal, Brasil e Angola faltam à cimeira;
  • Temas centrais incluem mobilidade, segurança alimentar e integração lusófona;
  • Ausências reabrem debate sobre o peso político e a eficácia multilateral da CPLP no actual contexto global.

Com um número inédito de ausências ao mais alto nível, a XV Cimeira da CPLP decorre em Bissau sob o signo da controvérsia e da reflexão sobre o futuro da organização. Moçambique reforça o seu compromisso com a lusofonia, mas o desinteresse de outros Estados-membros lança dúvidas sobre a centralidade e o impacto efectivo da comunidade.

Entre os dias 17 e 18 de Julho de 2025, a cidade de Bissau acolhe a XV Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). A cimeira decorre sob o lema “A CPLP e a Soberania Alimentar: Um Caminho para o Desenvolvimento Sustentável”, num contexto em que temas estruturantes como a mobilidade e a segurança alimentar ganham renovada urgência. No entanto, a reunião ficou marcada não apenas pelos temas em agenda, mas sobretudo pelas ausências de peso.

Confirmaram presença apenas os Chefes de Estado de Moçambique (Daniel Chapo), Cabo Verde (José Maria Neves), Timor-Leste (José Ramos-Horta) e Guiné-Bissau (Umaro Sissoco Embaló), anfitrião do evento. Portugal será representado unicamente pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, após decisão do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa de não participar, em protesto pela atribuição futura da presidência da CPLP à Guiné-Equatorial.

Brasil e Angola também não enviaram os seus Presidentes, sendo as respectivas delegações lideradas pelos ministros Mauro Vieira e Téte António. Esta tripla ausência presidencial levanta questões sérias sobre o compromisso político de alguns dos maiores membros da CPLP com o projecto multilateral.

 

Uma Comunidade em Busca de Centralidade
A ausência dos Presidentes Marcelo Rebelo de Sousa, Lula da Silva e João Lourenço não pode ser lida apenas como resultado de agendas internas ou decisões tácticas. Para vários analistas, estas ausências revelam uma percepção crescente de irrelevância estratégica da CPLP, sobretudo quando comparada a outras plataformas multilaterais mais activas e financeiramente robustas, como a CEDEAO, a SADC ou mesmo o BRICS.

Segundo fontes diplomáticas lusófonas, a atribuição da presidência da CPLP à Guiné-Equatorial para o biénio 2027–2029 gerou desconforto, sobretudo devido às persistentes críticas internacionais ao regime de Malabo em matéria de direitos humanos. O gesto foi lido por Lisboa como uma cedência que compromete os valores fundacionais da organização.

A Guiné-Bissau, por sua vez, reagiu afirmando que “a cimeira decorre com quem estiver presente”, relativizando o impacto das ausências e reafirmando a continuidade dos trabalhos. Ainda assim, o sinal político é claro: os pilares da CPLP precisam de revisão e revalorização para evitar uma erosão de relevância.

Moçambique Assume Papel Activo
Em contraste, Moçambique destacou-se com uma presença ao mais alto nível, liderada pelo Presidente Daniel Chapo. O país reafirmou o seu compromisso com a integração lusófona, defendendo o reforço dos instrumentos de mobilidade e o combate à insegurança alimentar como eixos fundamentais para o desenvolvimento partilhado.

A Ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Maria dos Santos Lucas, alertou que “em Moçambique, o Acordo de Mobilidade só se aplica actualmente a passaportes diplomáticos, o que exclui a maioria dos cidadãos”. A responsável sublinhou a urgência de remover entraves burocráticos e políticos à livre circulação para estudo, trabalho e turismo.

Segurança Alimentar: Entre Estratégia e Dignidade
Com 28 milhões de pessoas na CPLP em situação de subnutrição, a segurança alimentar tornou-se o eixo temático da cimeira. A Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional (ESAN-CPLP), vigente desde 2011, continua a orientar acções em torno da agricultura familiar, inclusão e soberania.

Moçambique destaca-se com a implementação da Política PESAN 2024–2030 e a criação de um Secretariado Técnico Nacional. A ministra Lucas reforçou que “a alimentação está ligada à água, à saúde, à educação e ao emprego — é um indicador multidimensional da pobreza”.

A Guiné-Bissau propôs a criação de uma plataforma técnica regional para partilha de boas práticas, tecnologia e formação entre os países de língua portuguesa, medida que foi bem acolhida pelas delegações presentes.

Entre o Compromisso e a Crítica
A cimeira de Bissau oferece um retrato ambíguo da CPLP. De um lado, há sinais de compromisso efectivo de países como Moçambique e Timor-Leste. Do outro, a ausência dos líderes das três maiores economias da comunidade lança uma sombra sobre a sua coesão, ambição e centralidade estratégica.

Se a CPLP pretende manter-se relevante, precisará de ir além dos comunicados protocolares, reforçando mecanismos de implementação, democratizando o acesso à mobilidade e demonstrando impacto concreto na vida das populações. Caso contrário, corre o risco de se tornar uma organização simbólica, esvaziada de acção política substantiva.

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