Trabalho Remoto: uma raridade que salvou a continuidade da produção

“Teletrabalho” ou trabalho remoto foi uma das soluções encontradas em resposta à pandemia global que nos afectou nos últimos 20 meses.**
Um pouco por todo mundo, inclusive Moçambique, Governos foram procurando soluções para reduzir o contágio galopante que se assistiu em certos momentos da pandemia. As quarentenas, ou os “lockdowns”, tornaram-se realidades incontornáveis para as empresas que se viram a braços com um sério problema: “Como continuar a produzir” com a sua força de trabalho (ou grande parte dela) sem poder deslocar-se para o local de trabalho.
Assim, encontrou-se uma modalidade que não sendo nova, nem sendo desconhecida, era bastante rara no mundo nos negócios – trabalhar a partir de casa, ou usando as expressões que viraram norma – teletrabalho ou trabalho remoto.
Efectivamente o que quer dizer é que o local de trabalho passou a ser a habitação de cada um onde os requisitos mínimos passaram a ser um computador portátil e ligação à internet.
Estavam as empresas preparadas para esta transição? A resposta óbvia é que não estavam, salvo raras excepções. Por alguma razão até ao momento em que se viram “forçadas” a ter de abraçar esta realidade, poucas eram as organizações que apostavam nesta forma de trabalhar. Acredito (fruto do que observei nos primeiros meses de trabalho remoto) que a principal razão pela qual as empresas não tinham ainda apostado neste modelo era a “confiança”. Confiança de que os seus colaboradores continuariam a ser produtivos sem que houvesse um “capataz” denominado gestor para controlar todos os momentos do dia e garantir produtividade.
Como muito bem diz o ditado, há males que vêm por bem e a pandemia trouxe algumas coisas positivas, no meio de tanta desgraça, uma delas foi provar com factos, que é possível conciliar produtividade e trabalho remoto – passados 20 meses da pandemia, já ninguém questiona se as pessoas estando em casa estão a trabalhar ou se estão de “férias”. Tiveram de se desenvolver novas rotinas, novos hábitos, mas podemos afirmar com confiança que o modelo de trabalho remoto, não só veio provar que funciona, como muitas organizações se preparam para o integrar na sua forma de actuação mesmo em cenário pós-pandemia.
Desafios e Oportunidades
Em primeiro lugar, urge clarificar que nem todas as funções são possíveis de trabalho remoto e isso ficou bem claro nos últimos meses. Funções que necessitam de equipamento específico e/ou dispendioso e/ou de grande volume impediu o trabalho remoto – falo de funções fabris, por exemplo. Não foi possível passar a produzir cerveja em casa por exemplo. Mas foi possível gerir quem produz a cerveja, bem como o processo de produzir cerveja a partir de casa. Por outras palavras, as funções que puderem usufruir deste modelo foram funções administrativas (trabalho de escritório) em qualquer dos sectores da actividade económica.
A infraestrutura, gestão a distância e a motivação são os três principais desafios enfrentados no processo de transição para o trabalho remoto ao nível das organizações.
No que respeita a infraestrutura, nem todas as empresas estavam preparadas ou tinham condições para adquirir um computador portátil para cada colaborador, bem como garantir o pagamento de uma ligação à internet. Este foi o primeiro grande desafio que teve de ser ultrapassado e de uma forma geral, como mais ou menos esforço isso foi sendo feito (nas empresas que conseguiram sobreviver ao primeiro choque da pandemia). A solução sempre teve de passar por diálogo e por criatividade. Não foi incomum ver colaboradores usarem os seus equipamentos pessoais nem as suas ligações à internet pessoais, mas aos poucos isso foi dando lugar a algo mais estruturado e desenvolveram-se estratégias e políticas para responder a esse desafio.
O segundo desafio – a gestão à distância foi mais difícil, mais complexo e levou mais tempo. Um facto real é que os líderes não estavam preparados para ter as suas pessoas a trabalhar a partir de casa, onde eles não os podiam observar a qualquer momento. Então, foi frequente observar uma micro-gestão à distância em que os colaboradores passavam a maior parte do dia em reuniões virtuais, muitas delas sem grande objectivo além de “tentar” garantir que as pessoas não estavam a descansar ou a fazer outras coisas em “horário de trabalho”.
Isso levou a uma exaustão muito grande por parte de todos os envolvidos, inclusive os próprios líderes. Pois se todos passavam grande parte do dia em reuniões virtuais, tinham de continuar a trabalhar para lá do horário de trabalho para dar continuidade a tudo aquilo que tinham deixado de fazer para poder estar “ligado”. A linha entre vida pessoal e vida profissional nunca foi tão ultrapassada como nos primeiros meses da pandemia – as pessoas deixaram de ter horários de trabalho, passou a ser aceitável ligar fora do expediente, pedir respostas, pedir execução de tarefas em horários que já estão bem para lá do aceitável.
Outra dificuldade, esta por parte dos colaboradores, foi o facto de as escolas também terem fechado durante largos períodos, levando a que pessoas com filhos também os tivessem em casa durante o tal “horário de trabalho”. E como se diz a uma criança pequena que a mãe está numa reunião em frente ao computador e não pode parar nem por um momento? Estes e outros desafios foram sendo ultrapassados.
Uns de forma mais natural – houve claramente uma diminuição do número de reuniões diárias com o passar dos tempos, as pessoas pararam de se desculpar quando se ouviam vozes de crianças durante reuniões ou quando estas decidiam ir para o colo durante essas mesmas reuniões. Raras passaram a ser as reuniões em que não havia a aparição de uma criança para trazer um sorriso durante vídeo-calls profissionais.
Outros estão ainda em processo e é importante que os gestores de recursos humanos liderem a sua resolução – não é por as pessoas passarem a trabalhar de casa que deixam de haver horários e que se podem pedir tarefas a qualquer hora. Quanto muito devemos dar mãos à isenção de horário, ou seja, passamos a não ter horários de trabalho e focamo-nos em resultados (obviamente respeitando) os momentos de cada um e não entrando pela vida familiar das pessoas diariamente. Penso que os líderes devem preocupar-se menos se as suas pessoas estão sentadas em frente a um computador das 8h às 16h mas sim se as tarefas do dia foram executadas. E claro importante também não haver muito contacto profissional após uma certa hora.
Um terceiro desafio, mas não menos importante, prende-se com a motivação individual de cada um após longos momentos longe das suas equipas, dos seus colegas. A saúde mental é provavelmente um dos maiores problemas que cresceu juntamente com a pandemia.
O ser humano é um ser social e precisa do contacto com os outros. Isso foi impedido durante muito tempo e teve as suas sequelas. Foi e continua a ser muito importante todos estarem atentos aos sinais uns dos outros. Isto vai além de linhas hierárquicas, pois qualquer pessoa independentemente da sua posição na organização está susceptível de ter dificuldades emocionais e até mentais fruto desta nova forma de trabalhar (para não falar dos impactos mais reais da pandemia, como a perda de entes queridos).
Assim, as organizações tiveram de ir desenvolvendo mecanismos de acompanhamento às suas pessoas, não apenas na vertente de produtividade mas também na vertente emocional e motivacional. Houve necessidade de criar momentos informais virtuais, realização de team buildings virtuais, entre outros.
No fundo, as pessoas precisaram de encontrar momentos de conexão para além do estritamente profissional. Penso que neste terceiro desafio ainda temos espaço para criar novas soluções e procurar novas ideias. Continua a ser um desafio a ser ultrapassado em ambiente de trabalho remoto e num momento em que começa a ser possível voltar aos escritórios, percebe-se o quando esta ligação humana fazia falta e era querida por todos.
Oportunidades
Não foram só desafios que surgiram com o trabalho remoto. Deram-se também oportunidades únicas, algumas obvias, outras nem tanto, mas que foram e estão a ser aproveitadas e estão a abrir novos horizontes quer às empresas, quer aos profissionais, designadamente: (1) Geografia já não é um obstáculo, (2) Melhoria da qualidade de vida e (3) Diminuição de custos corporativos.
Sobre o primeiro ponto, os bons profissionais rapidamente perceberam que o seu mercado se expandiu enormemente. Hoje um bom profissional moçambicano pode estar a prestar serviços para qualquer parte do mundo. Porque se o seu local de trabalho é em casa, não interessa onde está sediada a entidade patronal. Isto é uma excelente oportunidade para os profissionais mas também para as empresas. Hoje é possível ter sinergias que antes não se colocavam, como especialistas em certos temas poderem dar apoio a escritórios da mesma empresa noutra geografia sem terem de se deslocar.
Outro ponto que foi positivamente impactado foi a diminuição drástica das chamadas viagens de negócios. O trabalho remoto veio provar que podemos muito bem ter uma vídeo-conferência para debater e acordar algo, que há pouco tempo atrás iria sempre obrigar a uma deslocação física, com os inerentes gastos de tempo e dinheiro. Portanto, esta oportunidade de trabalhar a partir da sua cidade para qualquer parte do mundo será algo que iremos ver em franco crescimento nos próximos anos.
A qualidade de vida melhorou também imenso e fruto disso vemos alguma resistência já sobre o voltar ao modelo antigo de trabalho no escritório. Muitas pessoas e organizações preferem, sem dúvida alguma, um modelo híbrido em que os colaboradores se deslocam ao escritório alguns dias da semana, ou quando têm algo a fazer que requer mesmo a presença física e tirando isso trabalham a partir de casa.
Um dos benefícios foi a poupança de tempo que se obteve em não ter de ir ao escritório. Para quem levava 1h para cada trajeto, o trabalho remoto ditou uma poupança imediata de 2h que podem passar a ser usadas para qualquer outra actividade bem mais produtiva do que conduzir!
É inegável que muitos colaboradores depois de meses sem terem de enfrentar horas diárias de trânsito já não conseguem voltar ao modelo anterior como se nada fosse. Foi provado que há alternativas viáveis e as organizações que queiram captar talento nos anos vindouros terão de ter isto em consideração, sem sombra de dúvida! Se em vez de passar duas horas no transito eu puder exercitar-me, passar tempo com a minha família, ler, ou mesmo descansar mais, tudo isso tem um impacto imensamente mais positivo na minha vida do que conduzir algumas horas por dia.
Por fim, a componente de ganhos financeiros também não pode ser descurada. Se por um lado as empresas tiveram de gastar mais recursos com internet e com renovação de equipamentos, por outro lado, tiveram poupanças directas em renda, electricidade, internet de escritório, consumíveis, para nomear apenas alguns. Muitas organizações reduziram o tamanho dos seus escritórios, já não necessitam de tanto espaço para ser usado por menos pessoas em simultâneo. Pode parecer pouco mas nas contas corporativas não será irrelevante. Depois há toda a componente de viagens de negócio e de entretenimento. Houve poupanças consideráveis nessas frentes e certamente viagens de negócios nos próximos anos terão sempre ser muito bem justificadas.
Estes são apenas alguns dos benefícios que observo ao dia de hoje, mas tenho a confiança que quando mais habituados ficarmos com o trabalho remoto, mas benefícios iremos encontrar e acredito que este modelo venha a fazer parte da nossa nova forma de trabalhar. Em breve veremos cadeiras nas licenciaturas de gestão com nomes como “Como liderar remotamente”; “como servir clientes além fronteiras”; “legislação de trabalho remoto” entre outras. Mas a minha convicção é que o modelo do presente e futuro será um modelo híbrido que agregará o que de bom o trabalho de escritório tinha com o que de bom que o trabalho remoto trouxe.

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