
A conjuntura: Sem saídas fáceis e simplórias
A pandemia do novo coronavírus parou tudo. Mais do que isso, mandou recuar quase tudo e, pior ainda, está a forçar a promoção de mudanças tais que, em muitos aspectos da sociedade e da economia, nada ficará e será como dantes, impondo uma nova ordem, um novo paradigma social e económico. A ameaça veio de um lugar e de uma forma insuspeita.
Em termos de história económica, é cada vez mais certo que passa a haver um período antes e um período depois da COVID-19, esse depois que também não se sabe como será exactamente.
Com fundamento bastante e lógica consistente, importantes sectores da indústria de conhecimento global vêm denunciar que as medidas tomadas no contexto da COVID-19 são em grande parte uma antecipação de tendências que já se vinham a verificar e a se justificar, igual a dizer, o problema amadureceu.
Tentativas de estabelecer marcos e comparações conduzem a uma classificação consensual de que a actual crise da COVID-19, caracterizada por um elevado grau de incerteza, como a pior desde o 11 de Setembro, sabido que depois desse dia catastrófico, o mundo nunca mais foi o mesmo.
A crise da COVID-19 também já está a ser aceite com substancial facilidade como a pior pandemia dos últimos 100 anos, que vai impondo, não só novos valores, como também uma nova ordem, colocando, em última instância, a própria globalização em crise. Um fenómeno a causar sérios danos económicos, gerando não apenas apreensões no curto prazo, mas também consequências económicas no médio e longo prazo em uma equação de futurologia.
É que, desta vez, a ameaça é microscópica, imprevisível, não plenamente compreendida e, talvez, não a última da sua espécie. Está a forçar os governos a agir para proteger as suas populações, em termos que nunca imaginaram ter que fazê-lo, condenados – os governos – a uma intrigante situação, entre o agir muito cedo ou agir demasiado tarde. Eles que estão de certa forma habituados a agir no momento certo, agora têm que agir no momento incerto, mas para produzir resultados certos. Medidas económicas, fiscais e monetárias estão a ser testadas sem a convicção da sua eficácia, adequabilidade e sustentabilidade.
Portanto, falar dos efeitos neste quadro, não só económicos da pandemia COVID 19, é não só prematuro como aventureirismo, pois, em boa verdade, o problema e a suas múltiplas dimensões e alcance ainda são ou desconhecidos, ou apenas no início, ou desfecho improvável. Mas, por outro lado, não fazer nada é não só irresponsável como mortífero, tal qual o próprio novo coronavírus.
Em todas as geografias e sectores da economia, projectos, orçamentos, sobretudo de novos investimentos, estão a ser congelados ou revistos. Tem sido um trabalho árduo durante este período. A decretação de estados de emergência, as quarentenas, o isolamento social, o encerramento de empresas, instituições de ensino, a paralisação de linhas de produção, negócios como bares e restaurantes, o cancelamento de eventos culturais e desportivos está a causar um choque na produção e, consequentemente, na oferta.
As implicações desses choques, bem como a apreensão com o que ainda está por vir, geraram um stress nos mercados financeiros. As bolsas em torno do mundo tiveram fortes quedas com os índices a atingirem níveis no mínimo equiparáveis aos da crise de 2008.
No sector energético, a falta de um acordo entre os países produtores de petróleo – OPEP – e a Rússia fez com que houvesse um colapso no preço do barril de petróleo. A queda de mais de 30% em um único dia afectou o preço de outras commodities, ao que veio se juntar a redução de demanda por parte da China, a afectar o preço de outras commodities.
No sector financeiro, as autoridades reguladoras e monetárias, desconhecendo ainda aonde este pandemónio irá chegar e quanto vai durar recorrem a mesma receita usada para combater a crise de 2008. Injectar trilhões de dólares, euros, libras e ienes no sistema. A somatória da ajuda de todos bancos centrais ultrapassa hoje 3 trilhões de dólares, valor que a altura da publicação desta revista (na sua versão física) poderá mesmo ter sido substancialmente ultrapassado. No nosso país, o Banco Central injectou 500 milhões de dólares e diz-se preparado para mais, se vier a se mostrar necessário.
A injeccção de dinheiro no sistema tenta evitar que esta crise se alastre e se transforme em uma crise financeira. Ao mesmo tempo, essa estratégia tenta incentivar uma política expansionista, aumentando as despesas públicas.
Ou por outra, o dinheiro entrará na economia pela janela de necessidades com as despesas emergenciais, emitindo títulos que são comprados pe- los bancos. Estes, por sua conta, exploram duas alternativas: revender esses títulos aos bancos centrais através do que é conhecido por quan- tative easing, ou afrouxamento quantitativo. Ou podem ainda os bancos usar os títulos como lastro no sistema de reservas fracionárias, no qual é lhes possibilitado criar dinheiro digitalmente, emitindo empréstimos a factores muito maiores que o seu capital e depósitos, disponibilizando crédito ao sistema.
Além da injecção de liquidez, houve redução das taxas básicas de juros, caso do Federal Reserve (FED) – Banco Central dos Estados Unidos de América – que reduziu a taxa entre 0 e 0,25%. O nosso Banco Central baixou a taxa de juro da Política Monetária em 150 pontos base para 11,25%.
Outra acções estão sendo tomadas, reduzindo ou mesmo extinguin- do, nem que temporariamente, o compulsório, que são os depósitos obrigatórios que bancos precisam manter junto aos bancos centrais. Em Moçambique isto também se verificou.
Estas medidas são políticas monetárias, tentando antecipar-se a um fu- turo problema de liquidez, e poderá ser efectivada para lidar com um au- mento crescente da insolvência de empresas pelo facto de não estarem a produzir e a vender. Por cá, o sector empresarial privado diz que o din- heiro injectado pelo Banco de Moçambique não é acessível, dando fun- damento as análises de que estas políticas monetárias ainda não trazem soluções efectivas para a falta de actividade económica. Os economistas Yasfir Ibraimo e Carlos Muianga referem-se a isso, nas entrevistas que nos concederam, conduzindo ao entendimento de que as medidas de política monetária são insuficientes e precisam concorrência de medi- das fiscais.
Respostas como a redução de impostos, ou mesmo o adiamento do seu pagamento são efectivas, sobretudo no curto prazo, pois endereça uma resposta ao choque na demanda para que as empresas consigam enfren- tar este período, sendo certo que a retoma da produção será necessária para que a cadeia, no médio e longo prazo, sustente-se.
Explorar oportunidades que a crise proporciona, designadamente, o sen- so de urgência em empreender reformas tributárias, administrativas e a redução dos entraves regulatórios, burocráticos e barreiras ao negócio e investimentos, certamente trará respostas efectivas para a economia. Não deixa, contudo, de ser certo e líquido, que mesmo com a ampla gama de soluções anunciadas pelas autoridades governamentais, instituições financeiras e outras não há como medir o legado que este momento de extremamente adverso deixará.
Também fica claro e cristalino que a pandemia da COVID-19 não oferece às sociedades saídas simplórias e fáceis.
Nota: Este texto é referente ao Editorial publicado na Revista O.Económico da edição de Abril.