
Entre a Expansão e a Contestação: O GNL na Encruzilhada da Transição Energética Global
Destaques
- Relatório Mundial da IGU de 2025 lança um pelo à realpolitik energética, enfrentando as tensões entre segurança de abastecimento, ambição climática e fragmentação geopolítica;
- A IGU adverte para o risco de “transições disfuncionais” no sector energético
- GNL enfrenta simultaneamente uma nova era de expansão e um novo ciclo de resistência política;
- A narrativa ambiental e a realidade económica colidem nos mercados emergentes;
- Moçambique, entre os potenciais campeões do Sul Global, arrisca-se a perder o seu momento
A travessia do sector do Gás Natural Liquefeito (GNL) rumo ao futuro não é uma linha recta nem uma viagem consensual. Ao contrário: é um percurso sinuoso, permeado por forças contraditórias e disrupções simultâneas. O World LNG Report 2025, da International Gas Union (IGU), é um retrato notável dessa tensão: um documento que conjuga euforia estatística com preocupação estratégica, e que alerta, sem meias-palavras, para o risco de uma transição energética “desequilibrada, mal gerida e geopoliticamente instável”.
A Ascensão Incontornável e a Contestação Silenciosa
Segundo o relatório, a capacidade global de liquefacção atingiu 494,4 MTPA em 2024 e poderá quase triplicar até 2030, caso todos os projectos hoje em planeamento avancem. Mais de 210 MTPA já se encontram em fase de construção ou com FID. O número parece promissor — mas é enganadoramente simples.
Li Yalan, presidente da IGU, confronta o leitor com uma constatação inquietante: o sector do gás está a crescer, mas sem garantias de estabilidade. O seu destino está a ser desenhado por dinâmicas de poder externas à indústria — guerras, sanções, proteccionismo, taxonomias verdes ambíguas, crises de financiamento climático. “O gás tornou-se politicamente inconveniente em certos círculos, mas permanece fisicamente indispensável para a estabilidade global”, afirma.
A presidente descreve um sector enredado entre duas velocidades: a da expansão física e a do cerco regulatório. Enquanto novos projectos proliferam no Qatar, EUA, Rússia e África Austral, cresce também a deslegitimação política do gás em fóruns internacionais. A transição, em vez de coordenada e gradual, arrisca tornar-se polarizada e desordenada.
O GNL Como Espaço de Contradição Global
O capítulo “State of the Industry” oferece uma cartografia clara desta dissonância:
- A procura cresce, sobretudo na Ásia (China, Índia, Sudeste Asiático), onde o gás substitui carvão e complementa renováveis.
- A oferta amplia-se, mas em ambiente de grande dispersão normativa e risco de sobrecapacidade.
- Mais de 60 projectos em pré-FID esperam condições de mercado e estabilidade política para avançar.
- O financiamento de infraestruturas de GNL enfrenta escrutínio ESG crescente, que exige provas de descarbonização e impactos sociais mitigados.
A tecnologia avança — com projectos como o Abadi LNG, na Indonésia, já integrando CCS —, mas a legitimidade política e ambiental do gás permanece contestada. A narrativa ambiental, moldada por sectores mais radicais do activismo climático e algumas instituições multilaterais, tende a apagar as nuances: o papel do GNL como backbone da segurança energética em países sem redes eléctricas estáveis, ou como catalisador da transição justa no Sul Global.
Moçambique e os Riscos de Perder o Seu Momento
Neste cenário, países como Moçambique ocupam uma posição paradoxal. Com recursos consideráveis (57,2 MTPA em capacidade em pré-FID), o país aparece como um dos grandes promissores da nova geopolítica do gás. Mas esse potencial repousa sobre bases frágeis:
- Atrasos na execução de projectos estruturantes (Rovuma LNG);
- Percepções de risco político e instabilidade contratual;
- Ausência de estratégias claras de integração entre exploração e desenvolvimento local;
- E um ambiente externo crescentemente adverso ao financiamento de grandes projectos fósseis.
Para Moçambique, a questão não é apenas energética — é existencial. A janela de oportunidade está aberta, mas é estreita. A demora na mobilização de capital e no fecho de decisões críticas poderá levar à obsolescência precoce de recursos ainda por monetizar. E, como sublinha o relatório, “o tempo do gás pode ser mais curto do que se pensava, não por falta de utilidade, mas por decisão política e percepção pública.”
Entre o Idealismo Climático e o Pragmatismo Energético
A IGU propõe um reenquadramento: não se trata de desacreditar os compromissos ambientais, mas de ancorá-los na realidade energética das nações. “Não podemos trocar segurança por narrativa, nem estabilidade económica por slogans climáticos”, observa Li Yalan. A organização advoga por um futuro energético onde o GNL coexista com as renováveis, servindo de amortecedor e estrutura de base.
A mensagem implícita é clara: o GNL não é um obstáculo à transição energética — é o meio através do qual essa transição pode tornar-se viável e socialmente justa, sobretudo nos países em desenvolvimento.
O World LNG Report 2025 é mais do que uma fotografia técnica do sector. É um alerta estratégico. O GNL pode ser ponte ou parede, depende da forma como os governos, mercados e instituições o integrarem no novo pacto energético global.
A disrupção energética já não é um futuro hipotético — é um presente em aceleração. E o gás natural, por mais controverso que se torne no debate público, continua a ser a energia da realidade. O desafio reside, agora, em compatibilizar essa realidade com as aspirações de um mundo em transição — antes que a janela feche.
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