Comissão Passa a Tratar da Sobrefacturação de Água — Solução Estrutural ou Paliativo Transitório?

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  • A criação de uma comissão específica para lidar com queixas de sobrefacturação de água procura responder ao crescente número de reclamações, mas levanta dúvidas quanto à eficácia e sustentabilidade das medidas de regulação e fiscalização.

 

Questões-Chave:

  • A Autoridade Reguladora de Águas e Saneamento (AURAS) criou uma comissão para tratar de casos de sobrefacturação;
  • A medida surge após aumento expressivo de reclamações de consumidores, públicos e privados;
  • Famílias alegam pagar por consumos não efectuados e sofrer cortes por dívidas contestadas;
  • A AURAS promete maior fiscalização, justiça tarifária e nova plataforma de queixas;
  • Persistem dúvidas sobre a capacidade técnica, autonomia e poder sancionatório da nova comissão.

Uma nova comissão foi criada pela Autoridade Reguladora de Águas e Saneamento (AURAS) para tratar das denúncias de sobrefacturação de água, um problema que há anos afecta milhares de consumidores moçambicanos. A medida procura trazer justiça tarifária e restaurar a confiança no sistema, mas levanta uma questão inevitável: será esta comissão uma solução estrutural ou apenas mais um paliativo para uma crise recorrente?

 

A decisão surge na sequência de um aumento considerável das reclamações de consumidores sobre cobranças indevidas e facturas que não correspondem ao consumo real. Muitos utentes queixam-se de valores elevados e cortes de fornecimento, mesmo quando não conseguem pagar contas que consideram injustas.

De acordo com Messias Macia, administrador-executivo da AURAS para o pelouro de Inspecção e Fiscalização, a instituição recebe diariamente casos de facturação irregular, tanto de clientes domésticos como institucionais. “A nossa intervenção visa garantir justiça na actividade, uma vez que tanto fornecedores como consumidores têm sido vítimas de injustiças”, afirmou.

Segundo Macia, a AURAS instalará uma plataforma digital para o registo de reclamações e sugestões, com prioridade para os consumidores que já apresentaram queixa junto dos respectivos fornecedores sem resposta satisfatória. Nesses casos, explicou, as duas partes são chamadas e confrontadas, podendo uma equipa técnica deslocar-se à residência do cliente para inspecionar contadores e verificar eventuais fugas ou falhas de leitura.

A AURAS reconhece que muitas situações de sobrefacturação resultam de fugas nas condutas, erros humanos ou falhas nos equipamentos de medição, mas também admite negligência por parte de algumas equipas destacadas para a leitura dos contadores. Outros casos estão ligados à ausência de manutenção regular e à deficiente comunicação entre operadores e consumidores.

Apesar do anúncio da comissão, muitos consumidores permanecem cépticos. O histórico de ineficiência e lentidão na resolução de queixas faz temer que esta medida, embora necessária, não chegue a atacar as causas estruturais do problema — nomeadamente a obsolescência das redes de abastecimento, a falta de calibragem dos contadores e a fraca supervisão sobre os operadores municipais e privados.

O Desafio da Sustentabilidade

A criação da comissão representa um passo institucional relevante, mas o seu sucesso dependerá de vários factores. A sua eficácia estará condicionada à existência de equipas técnicas e recursos humanos suficientes para realizar inspeções regulares, detectar anomalias e verificar contadores em larga escala. Sem capacidade operacional, a comissão poderá tornar-se apenas uma instância burocrática de resposta.

Outro aspecto crucial é a autonomia e o poder sancionatório. Para ter impacto real, a comissão precisa de autonomia para impor correcções e sanções aos operadores públicos e privados. Caso as suas deliberações não tenham carácter vinculativo, a sua actuação ficará limitada à mediação simbólica.

Também a celeridade e acessibilidade são determinantes. Os consumidores exigem respostas rápidas e transparentes, e processos morosos apenas agravam o descrédito nas instituições reguladoras. Além disso, o enfoque actual da comissão parece incidir mais na resolução de casos já existentes do que na prevenção. A ausência de políticas robustas de verificação periódica, auditorias técnicas e modernização das infra-estruturas hídricas pode comprometer a eficácia a longo prazo.

Finalmente, a AURAS enfrenta o desafio de recuperar a confiança pública. Só com resultados concretos e transparência na divulgação de relatórios e decisões poderá restaurar a credibilidade do regulador e demonstrar que a justiça tarifária não é apenas uma promessa, mas uma prática efectiva.

A criação da comissão de sobrefacturação de água é um sinal de reconhecimento de um problema sistémico e de uma tentativa de resposta institucional à crescente insatisfação pública. Todavia, a questão central persiste: será suficiente?

Sem reformas estruturais na medição, facturação e supervisão do sector, a comissão corre o risco de ser mais um paliativo de curto prazo — útil para conter o descontentamento social, mas incapaz de eliminar as causas profundas do problema.

O verdadeiro desafio da AURAS será transformar esta comissão num instrumento de mudança permanente, dotado de poder de fiscalização efectiva, autonomia técnica e credibilidade pública, capaz de garantir que cada consumidor paga apenas pelo que consome — nem mais, nem menos.

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