CERTIFICAÇÃO: O BICO DE OBRAS DAS PME`S MOÇAMBICANAS

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O tema não tem sido tratado como um investimento estratégico intangível pela maioria das empresas, apresentando-o essencialmente como uma despesa supérflua a evitar, mas os custos desse equívoco já se manifestam, principalmente pela limitação de oportunidades.

Mesmo que se posicionem para tomar partido dos ganhos económicos e financeiros que a já designada nova indústria do país, a de petróleo e gás, está a providenciar, as PME´s nacionais vão ter um gigante pela frente, dificultando o acesso a esta mega-oportunidade. O Golias das PME´s chama-se Certificação. É que além dos elevados custos associados, cerca de USD 25 mil, o processo exige uma série de requisitos de organização empresarial a que muitas PME´s nacionais ainda não atingiram no seu estágio de maturação, salvo raras excepções.

Todavia, as oportunidades já cá estão. As empresas moçambicanas devem abraçar e embarcar para encarar a certificação como um activo. Sem isso, elas tem menos valor. Não podem concorrer para os projectos na cadeia da indústria extractiva em igualdade de circunstâncias com suas congéneres que poderão ser contratadas para cobrir o gap local.

Mas a questão financeira não parece a que mais assusta as PME´s. Tanto é que que já há um conjunto de iniciativas em curso para facilitar a participação das empresas moçambicanas no fornecimento de bens e serviços aos megaprojectos. Pode-se citar, por exemplo, o Programa Nacional de Certificação (PRONACER) desenvolvido pela CTA em parceira com a Fundação para Melhoria do Ambiente de Negócios (FAN).

Com esta iniciativa, cerca de 200 PME’s podem ser abrangidas o que poderá representar um incremento em cerca de 400% do número de empresas certificadas em Moçambique.

Com o mecanismo de facilitação da certificação de empresas criado pela Câmara de Comércio de Moçambique, as PME’s poderão pagar a partir de 600 mil meticais consoante a dimensão de cada uma delas e assinatura de um acordo entre o Instituto para a Promoção das Pequenas e Médias Empresas (IPEME) e a Anadarko.

Para começar 20 PME’s serão certificadas na sua fase Piloto, via esta iniciativa.

Reconhece-se porém que, existe uma grande necessidade de estimular a economia local e o crescimento das empresas nacionais apoiando-as na participação nos grandes ecossistemas.

Alfredo Sitoe - Director Geral do INNOQ

Alfredo Sitoe – Director Geral do INNOQ

No entendimento de Alfredo Sitoe, Director-geral do Instituto Nacional de Normalização da Qualidade (INNOQ), as dificuldades da certificação cingem-se na falta de informação por parte das empresas sobre a importância e os mecanismos de acesso à certificação.

Sitoe recomenda que, o empresariado deve olhar para a certificação como um investimento.

“Eles veem a  ertificação como um custo e nós vemos a certificação como um investimento. O que nós queremos é que as mpresas nos vendam produtos com qualidade”, sublinhou.

Para Sitoe, outros obstáculos, referem-se ao funcionamento interno das PME´s. São, por exemplo, a questão da mão-de-obra pouco qualificada, gestão financeira ineficiente assim como limitada capacidade de planeamento e visão estratégica.

Com investimentos estimados em mais de USD 60 biliões nos próximos anos na indústria de Petróleo e Gás, Moçambique vai registar um boom na procura de produtos e serviços em escala.

A avalanche da demanda vai abrir inúmeras oportunidades para as empresas moçambicanas ligadas à produção, distribuição e comercialização de produtos agroalimentares, mas não só, sectores como metalomecânicas, transportes e pequena indústria têm também oportunidades concretas.

Certificação agroalimentar ainda é uma miragem

A contribuição da indústria agroalimentar para o sector manufatureiro cresceu de 25,6% em 2013 para 39% em 2018. Trata-se de um crescimento assinalável registado nos últimos anos. Apesar deste impulso, o sector tem a certificação como seu maior entrave o que impede a sua inserção plena no mundo dos negócios.

De acordo com o ISO Survey 2018, a nível mundial, mais de 1.500.000 empresas possuem alguma certificação, sendo que cerca de 36.105 tem certificação ISO 22000, que se refere a segurança alimentar.

Para se ter uma ideia da lacuna da certificação nesta categoria, em Moçambique apenas uma empresa tem ISO 22000:2005, agora actualizada para ISO 22000:2018. Trata-se do Grupo Arte Fina, certificada pela instituição internacional Bureau Veritas.

A razão deste facto deve-se, segundo o Director do INNOQ, a preocupação das empresas do ramo em certificar-se por HACCP que é o controlo dos pontos críticos durante o processo de produção alimentar.

Porque a certificação pela norma ISO 22000:2018, exige alto nível de exigência. Para certificação a este nível não basta reunir requisitos individuais é preciso assegurar que toda a sua cadeia de fornecedores esteja a produzir com base em parâmetros internacionais.

Segundo testemunhou Ilchade Jafar, executivo da empresa Grupo Arte Fina: “tudo tem que estar controlado, não só a produção do fornecedor como também o transporte. Por isso, nós temos atenção especial em trabalhar com fornecedores pré-aprovados por nós próprios. Por via disso, é que praticamente temos os mesmos fornecedores desde que somos certificados porque não há muitos fornecedores à altura”.

Ilchade Jafar - executivo da empresa Grupo Arte Fina

Ilchade Jafar – Director Executivo do Grupo Arte Fina

Jafar contou que a força motriz que sempre guiou essa empresa rumo à certificação é o facto de encarar esse processo como um investimento a médio e longo prazos, o que está a melhorar o processo de produção da empresa, fornecimento de serviços com uma garantia de refeições seguras, proporcionando-lhes oportunidade de negócio com os megaprojectos.

Apesar de primariamente ser relacionada com a segurança alimentar, a norma também tem directrizes que envolvem outras áreas de gestão das empresas do ramo alimentício, como o estabelecimento de programas de monitoria e melhorias na questão da segurança alimentar, a consciencialização dos consumidores, processo de documentação muito mais organizado, comunicação com os parceiros comerciais mais clara e objectiva bem como a ética e responsabilidade da empresa sobre seus produtos.

Como qualquer investimento, os benefícios para o Grupo Arte Fina foram antecedidos por um período de grandes investimentos durante o processo de implementação dessa norma em que a empresa teve que se reestruturar para poder acomodar-se perante as exigências da norma ISO 22000.

Além da certificação ISO 22000, a empresa ostenta outras certificações, nomeadamente, ISO 9001, ISO 14001 e OHSAS 18001. Com todo esse arcabouço de sistemas de gestão de qualidade, o Grupo considera-se uma empresa exemplar, completa e preparada para o mercado.

Limitações laboratoriais minam capacidade das instituições que zelam pela certificação

Actualmente, o INNOQ apenas certifica com a norma ISO 9001.

Neste ano (2019), o INNOQ certificou nove empresas e quatro produtos, totalizando 54 empresas e 11 produtos.

Destas empresas, 6% estão certificadas no domínio da NM 393:2012 sobre o sistema de análise de perigos e pontos críticos de controlo (HACCP) ligado a identificação, análise e controlo dos perigos associados à produção, distribuição e consumo de alimentos.

Os dados mostram, também, que a ISO 9001:2015 referente a gestão de qualidade é a mais requerida, estimando-se em cerca de 73% de empresas que possuem essa certificação, 8% certificadas com NM ISO 14001:2015 – relativo ao sistema de gestão ambiental –, 7% certificadas com OHSAS 18001:2007, sobre o sistema de gestão de saúde e segurança ocupacional, e as restantes 6% corresponde aos outros tipos de certificação.

Deste universo, 85,7% são da cidade e província de Maputo. Nampula está em segundo lugar com 4.8% e a percentagem remanescente é de Sofala, Manica, Niassa e Inhambane, totalizando 2.4% cada.

A concentração das empresas certificadas na cidade e província de Maputo justifica-se, em grande medida pela inexistência de delegações do INNOQ nas demais províncias, o que constitui um dos principais desafios da instituição.

Uma outra dificuldade apontada pelo INNOQ cinge-se na limitação laboratorial, uma vez que a instituição possui apenas um laboratório de metrologia e nenhum de ensaio.

Para a realização dos ensaios a instituição recorre aos laboratórios públicos e privados a nível nacional e internacional.

“Mas o ideal até em termos de redução de custos operacionais para os próprios empresários era que o país tivesse a mínima capacidade de cobrir todos os ensaios necessários”, destaca o dirigente.

As dificuldades não param por aí. O empresariado reclama haver dificuldades de aceitação a nível internacional dos certificados emitidos pelo INNOQ. Então, sustentam os empresários, é preciso estabelecer mecanismos de modo que não tenhamos custos ainda a dobrar para pedir certificação as empresas estrangeiras.

A respeito disso, o INNOQ assegura estar a certificar com base nos padrões exigidos internacionalmente. Para responder aos anseios do empresariado nacional no que tange ao melhoramento do processo de certificação Mumbaraque Abdulrazac da CTA avançou a seguinte proposta: “a criação de uma outra entidade que possa facilitar a certificação dos produtos alimentares para exportação é bem-vinda e é o que a CTA está a tentar promover de modo a facilitar as nossas exportações. O que interessa é que esta certificação do INNOQ seja reconhecida e a partir daí possamos exportar, isso acontece muito em produtos alimentares”.

Mumbaraque Abdulrazac - CTA

Mumbaraque Abdulraza – CTA

Um olhar à certificação na Construção Civil

Em meio a tantas dificuldades de certificação das empresas moçambicanas, os dados do sector da construção civil caminham numa trajectória diferente. Dentre as 16 fábricas de cimento existentes no país 14 estão certificadas, o que corresponde a uma cifra de 87.5%, segundo o Laboratório de Engenharia de Moçambique (LEM), instituição responsável pela realização de testes laboratoriais do cimento e certificação do cimento produzido em Moçambique.

Apesar disso, nem tudo é um mar de rosas na Construção Civil: nem todas as fábricas veem a certificação como um activo.

Segundo o Engenheiro Rodrigues Manjate, Coordenador do Processo de Certificações do Cimento e Responsável de Qualidade do LEM, existem empresas que relaxam após a certificação. Manjate considera que algumas fábricas, mesmo certificadas, não cumprem na totalidade com os ensaios previstos na norma, devido aos elevados custos de calibração do equipamento. Este problema tem explicação, segundo Manjate, com a crescente onda de reclamação denunciando a queda da qualidade do cimento. O Laboratório de Engenharia de Moçambique, LEM, já veio a tona confirmar esta denúncia: “Em termos de qualidade de cimento não há problemas! Os problemas estão relacionadas com as quantidades. Esse é que ainda é o calcanhar de Aquiles que temos que resolver”.

Engenheiro Rodrigues Manjate - Coordenador do Processo de Certificações do Cimento e Responsável de Qualidade do LEM

Engenheiro Rodrigues Manjate – Coordenador do Processo de Certificações do Cimento e Responsável de Qualidade do LEM

“O Laboratório de Engenharia de dois em dois meses recolhe amostras de cimento em várias fábricas do país. Nós fazemos os ensaios ao nível laboratorial, as empresas também fazem-no ao nível fabril e cruzamos resultados que servem de base para a produção dos relatórios semestrais”, sustenta Rodrigues Manjate.

O LEM é uma instituição acreditada pelo ISO 17025, o que, segundo Manjate, confere uma segurança da aceitação internacional do cimento produzido em Moçambique.

“Quando iniciamos esse trabalho poucas empresas moçambicanas exportavam cimento. Mas agora temos empresas moçambicanas que já exportam o cimento. O nosso cimento tem uma qualidade reconhecida fora e leva o nosso certificado. É um ganho para o país e para as próprias empresas”, reitera Manjate.

A certificação do cimento baseia-se na norma NM NP EN 191 1 para as especificações e a norma NM NP EN 191 2 referente a avaliação de conformidade do cimento. A certificação do cimento é feita por duas instituições, em que temos o LEM a certificar o cimento nacional e o INNOQ que é responsável por certificar o cimento importado.

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