
Relatório da População Mundial 2025 Reconfigura Debate Demográfico: Fecundidade em Queda É Reflexo de Obstáculos Económicos Sistémicos
Questões-Chave:
- UNFPA aponta barreiras económicas como determinantes centrais na queda da fecundidade global;
- Insegurança no emprego, custo da habitação e ausência de políticas de apoio à família condicionam decisões reprodutivas;
- Países em desenvolvimento enfrentam o desafio de promover crescimento com inclusão e autonomia reprodutiva;
- Moçambique deverá alinhar as suas políticas económicas e sociais com a nova realidade da transição demográfica;
- Sustentabilidade fiscal, produtividade e coesão social estão ligadas à capacidade do Estado de criar condições para escolhas livres e informadas.
A Crise Não É Demográfica, É Económica
O relatório Situação da População Mundial 2025, do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), apresenta uma leitura crítica das interpretações convencionais sobre a queda das taxas de fecundidade. Longe de ser um fenómeno meramente cultural ou voluntário, os dados apontam para um problema estrutural: as pessoas não estão a ter menos filhos por opção, mas sim porque não têm condições económicas para tal.
Entre os principais obstáculos estão o desemprego ou a informalidade, os salários insuficientes, o custo elevado da habitação, o acesso precário a creches e educação, e a ausência de mecanismos de apoio à conciliação entre vida laboral e familiar. Em termos económicos, o que o relatório revela é uma falência das políticas públicas em garantir segurança e estabilidade para os projectos de vida.
Impactos Macroeconómicos da Queda na Fecundidade
Nos países com crescimento lento ou estagnação demográfica, como vários da Europa e da Ásia, a queda da fecundidade já se traduz em desafios fiscais significativos: aumento do peso das pensões, menor base tributária, escassez de mão-de-obra e redução do potencial de crescimento económico. No entanto, o UNFPA alerta que respostas centradas apenas em incentivar nascimentos — como subsídios por criança, campanhas natalistas ou penalizações indirectas — falham por não atacar as causas profundas.
A ausência de políticas de redistribuição eficazes, o desinvestimento nos serviços públicos e a desvalorização do trabalho de cuidado contribuem para uma economia que inviabiliza a parentalidade, sobretudo entre os jovens e as mulheres.
🌍 Moçambique: Entre Transição Demográfica e Oportunidade Económica
Embora Moçambique ainda mantenha uma das taxas de fecundidade mais elevadas da África Austral, o país está a entrar, gradualmente, na primeira fase da transição demográfica: redução da natalidade, crescimento da população activa e maior urbanização. Esse momento representa uma oportunidade única — o chamado bónus demográfico — que só poderá ser aproveitado se houver investimento em educação, saúde, emprego produtivo e igualdade de género.
Para Moçambique, a leitura do relatório do UNFPA sugere que o debate demográfico deve ser integrado no planeamento económico. Uma população que não consegue ter os filhos que gostaria é também uma população que não confia no futuro económico, que adia decisões de consumo e investimento familiar, e que pode perder capital humano valioso. A falta de apoio à maternidade e paternidade reduz a participação das mulheres no mercado de trabalho, limita o rendimento das famílias e, no longo prazo,
Autonomia Reprodutiva como Fundamento da Economia Inclusiva
A autonomia reprodutiva é apresentada no relatório como um indicador avançado de justiça económica. Em vez de políticas populacionais baseadas em metas demográficas, os países devem adoptar estratégias económicas que assegurem escolhas livres, informadas e viáveis. Isso significa investir em creches públicas, licenças de parentalidade, habitação acessível, trabalho digno e cobertura universal de saúde sexual e reprodutiva.
Num mundo em transformação — com novas tecnologias, mercados instáveis e uma força de trabalho em mutação — não haverá desenvolvimento sustentável se as famílias continuarem a viver sob a incerteza. Como sublinha o UNFPA, o futuro económico depende da capacidade dos Estados de remover as barreiras económicas à fecundidade desejada.
Mais Economia Para Mais Liberdade
O relatório de 2025 desafia os formuladores de políticas a abandonar os alarmismos e a colocar a economia ao serviço da liberdade reprodutiva. Em Moçambique, isso implica ver o planeamento familiar não apenas como uma questão de saúde pública, mas como um instrumento de desenvolvimento económico e produtividade.
Se as pessoas tiverem acesso a empregos decentes, a rendimentos estáveis, a serviços de apoio à família e a políticas económicas inclusivas, a fecundidade passará a reflectir as verdadeiras vontades da população — e não os limites impostos pelas condições materiais. A crise é real, mas não é de fecundidade: é de estrutura económica e de acesso a oportunidades.