Transformação estrutural da economia: Moçambique aposta em industrialização, diversificação e fortalecimento do sector produtivo

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A proposta do Governo moçambicano para o quinquénio 2025–2029 assenta numa promessa fundamental: transformar estruturalmente a economia nacional para a tornar mais resiliente, inclusiva e diversificada. Este propósito, consagrado no Pilar II da proposta do Programa Quinquenal do Governo (PQG), que devera ser sufragado, brevemente, pela Assembleia da República, surge num momento em que o País enfrenta um conjunto de desafios económicos de curto e médio prazo, que vão desde desequilíbrios macroeconómicos persistentes até à fraca capacidade de industrialização.

Ao estabelecer como vector estratégico a industrialização e diversificação produtiva, o Executivo pretende romper com um modelo económico excessivamente dependente das exportações de matérias-primas em bruto, da agricultura de subsistência e de megaprojectos extractivos com frágil integração nas cadeias de valor nacionais.

Crescimento sem transformação: o dilema estrutural de Moçambique

Ao longo da última década, Moçambique registou picos de crescimento impulsionados por megaprojectos nos sectores mineiro e energético, mas sem impacto proporcional no emprego, na industrialização e na arrecadação fiscal. A economia continua exposta a choques externos, com fraca produtividade, informalidade acentuada, e um défice estrutural de capacidade institucional para impulsionar reformas económicas profundas.

O desafio reside, assim, em traduzir o crescimento em desenvolvimento, garantindo que os sectores produtivos – agricultura, indústria transformadora, turismo, energia e serviços logísticos – se tornem motores sustentáveis de criação de emprego, geração de rendimento e redução da pobreza.

Pilar II: ambições concretas e metas quantificadas

O Pilar II do PQG propõe cinco programas de intervenção interdependentes:

  1. Estabilidade macroeconómica (com metas de redução da dívida pública de 74% para 60,8% do PIB);
  2. Produção, produtividade e diversificação (com incremento previsto do valor da produção industrial de 2,5 mil milhões USD para 8,4 mil milhões até 2029);
  3. Ambiente de negócios (com promessa de reformas legais, digitais e fiscais);
  4. Emprego e empreendedorismo (com redução do desemprego juvenil de 33% para 29,7%);
  5. Investigação e inovação tecnológica (com maior financiamento à ciência e às start-ups de base tecnológica).

A estas metas soma-se um quadro macroeconómico ambicioso:

  • O Governo projecta uma taxa média de crescimento económico de 5,5% durante o quinquénio, quando se inclui o impacto do Gás Natural Liquefeito (GNL);
  • Sem o GNL, o crescimento projectado é de 4% ao ano, o que reflecte o esforço de consolidação das bases económicas tradicionais e não-extractivas.

Entre as medidas emblemáticas estão:

  • A aprovação de uma nova Lei da Indústria Transformadora;
  • A criação de centros de processamento mineiro (em Maputo e Cabo Delgado);
  • A aposta em zonas económicas especiais, parques industriais, e fortificação de alimentos com base local;
  • O início da operação da unidade de produção de gás de cozinha em Temane;
  • A institucionalização de normas para o uso ético da inteligência artificial no sector público e produtivo.

O contexto macroeconómico e os nós estruturais

Estas propostas enfrentam, porém, um contexto desafiante. Em 2025, Moçambique continua exposto a um conjunto de pressões macroeconómicas:

  • Uma dívida pública elevada, cuja sustentabilidade depende de reformas fiscais e eficiência da despesa;
  • Uma moeda vulnerável à instabilidade externa e à escassez de divisas;
  • Uma economia informal que representa mais de 60% da força laboral, com baixa contribuição fiscal;
  • Um ambiente empresarial afectado pela burocracia, acesso restrito ao crédito, e fraca capacidade de execução pública.

Além disso, o tecido produtivo enfrenta fragilidade logística, custo elevado de energia e fraca qualificação da mão-de-obra, o que limita a capacidade de absorção tecnológica e aceleração da produtividade.

O desafio da execução e da coerência intersectorial

Analistas observam que, ainda que o PQG tenha mérito no diagnóstico e na definição de metas claras, o sucesso do Pilar II, particularmente,  dependerá da coordenação efectiva entre sectores, da governação orientada a resultados e da capacidade de mobilização de recursos financeiros e humanos qualificados.

“A transformação estrutural da economia não depende apenas de projectos e planos, mas de uma liderança que consiga gerar consensos nacionais em torno das reformas, promover investimento produtivo, reforçar a capacidade institucional, e cultivar confiança entre o Estado e o sector privado”, sublinham em unanimidade economistas interpelados pelo O.Económico.

Uma encruzilhada decisiva

Se, por um lado, o PQG 2025–2029 oferece uma oportunidade para Moçambique reconfigurar o seu modelo económico, passando de uma economia periférica e extractiva para uma base produtiva mais robusta, integrada e centrada nas pessoas, por outro lado, a diferença entre planos e resultados reside na execução, na disciplina orçamental, e na vontade de ruptura com vícios de governação que perpetuam ciclos de exclusão económica e baixa produtividade.

Se o Governo, for capaz de materializar a ambição expressa neste Pilar II do PQG 2025–2029, Moçambique poderá, de facto, inaugurar um novo ciclo de crescimento com inclusão. Caso contrário, corre o risco de continuar refém da promessa adiada do desenvolvimento. Portanto, o País encontra-se, mais uma vez, numa encruzilhada decisiva.

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