
BOLSA DE VALORES DE MOÇAMBIOQUE: 25 ANOS
Acesso à Informação de Qualidade, Modernização Tecnológica e Novos Instrumentos Financeiros
Salim Cripton Valá[1]
Há uma frase muito antiga, que foi exposta pela primeira vez no livro “Leviatã”, da autoria do matemático, teórico político e filósofo inglês Thomas Hobbes, que é “informação é poder”, que muito bem se aplica ao domínio financeiro e ao papel histórico das Bolsas de Valores. Porque “as Bolsas de Valores também vendem informação” e as pessoas estão sedentas de informação para poderem tomar melhores decisões económico-financeiras, temos estado a trabalhar afincadamente para promover a educação financeira e a disponibilidade crescente de informação relevante e de qualidade ao mercado, aos investidores, as empresas, mas igualmente ao público em geral.
Em países como o nosso, em que o mercado de capitais e a Bolsa de Valores não possuem uma grande tradição, ao contrário do que acontece nos países anglo-saxónicos ou a eles relacionados, este assunto é ainda muito difícil de compreender, há muitos preconceitos em torno da temática, sendo fundamental desconstruir essa aversão ao tema. Na verdade, falar da Bolsa de Valores continua a ser um tabu para muita gente, sendo ainda alvo de muita controvérsia, desconfiança e discursos falaciosos.
Como muito bem refere Antunes (2022)[2], Não há poções mágicas ou soluções miraculosas para ter sucesso na bolsa. A probabilidade de enriquecer automática e momentaneamente, e sem grande esforço, é muito reduzida e só está ao alcance de todos nos filmes. Longe dos ecrãs de TV, podem-se criar estratégias consistentes para reduzir custos e criar poupanças que permitam investir de forma vantajosa, assumir riscos de maneira prudente e alcançar a liberdade financeira e a prosperidade. Apesar de requerer visão, informação e disciplina, isso não é uma missão impossível e está ao alcance de todos.
A citação atribuída a Ésquilo, “na guerra, a primeira vítima é a verdade”, bem expressa no contexto actual do conflito na Ucrânia, enfatiza a importância de, nunca como agora, o domínio da informação credível e verdadeira ser tão vital para quem quer operar nos mercados financeiros (Silva, 2022)[3]. Pode ser a diferença entre ficar preso ao paradigma do passado e perder oportunidades, ou enfrentar o novo paradigma alternativo e tirar vantagens dele. A Bolsa não é um jogo de roleta, não é um jogo de sorte ou azar ou “um exercício de tiro ao alvo com venda nos olhos”, mas uma forma sensata e inteligente de aplicar as poupanças, fazer investimentos rentáveis e um mecanismo das empresas financiarem-se com custos mais baixos. Mas não nos esqueçamos que a assimetria de informação e a incerteza são os grandes inimigos do investidor e dos empresários, sendo importante ter em consideração, também, a relevância do risco moral, selecção adversa e a teoria da agência.
A Bolsa de Valores de Moçambique (BVM) encontra-se numa fase crucial da sua história institucional, pois completa neste ano 25 anos de existência. O seu funcionamento num quarto de século é, por si só, um marco de referência e uma razão para reconhecer as actividades levadas a cabo no passado e o contributo de todos os dirigentes e funcionários que com o seu saber, trabalho, empenho e dedicação, deram e estão a dar o melhor de si para o cumprimento da missão institucional e o engrandecimento do sistema financeiro, e particularmente do mercado de capitais e da Bolsa de Valores.
Os últimos anos foram difíceis para Moçambique e particularmente para a sua economia. As consequências da pandemia da COVID-19, a eclosão do conflito geo-estratégico no Leste Europeu, o abalo nas cadeias de produção e distribuição ao nível planetário e a redução da procura, bem como a desaceleração do crescimento económico global, tiveram impacto negativo na economia moçambicana, que foi agravado por factores internos como os eventos climáticos extremos e focos de terrorismo em Cabo Delgado.
Os factores antes elencados, incrementaram o risco associado ao nível da estabilidade financeira e dos preços, criando um ambiente económico de elevada incerteza, que se veio a confirmar a tendência global de aumento significativo dos preços de energia e das commodities agrícolas. A tendência de aceleração da inflação nas principais economias levou os bancos centrais desses países a uma sublida nas taxas de juro de referência, com todas as consequências daí decorrentes, em particular para os países com fortes défices fiscais e elevada dependência do financiamento externo, como é o caso dos países da América Latina, Europa Oriental e África Sub-Sahariana.
O endividamento das empresas passou a ser uma preocupação, tendo em conta que taxas de juro mais altas incrementam os custos do serviço da dívida, e aumentam o risco de incumprimento. O risco decorrente do aumento do endividamento é acrescido à medida que as condições para o financiamento externo se tornam rigorosas, agravadas ainda pela depreciação das respectivas moedas e saída de capitais. Instituições como o FMI, o Banco Mundial e o BAD reviram em baixa o crescimento económico mundial para 2022.
Não obstante as vicissitudes por que passou a economia moçambicana em 2022, em especial o aumento do custo de vida derivado principalmente do aumento do preço dos bens alimentares, dos combustíveis, do transporte urbano, bem como a dificuldade que as empresas enfrentaram para obter financiamento a custos comportáveis, alguns dos indicadores macroeconómicos expressaram uma tendência positiva, com excepção da taxa de inflação, que no final do ano era de 10,28 % quando a previsão era de 5,3% (abaixo dos 14,4 % registados na África Sub-Sahariana), e a redução das Reservas Internacionais Líquidas (RIL), que passam de 6 para 3 meses. A taxa de crescimento do PIB nacional foi de 4,15 % face à previsão de 2,9%, e registou-se uma apreciação e estabilidade do Metical com um câmbio médio anual de 63,85 MT/USD. O crescimento económico foi influenciado sobretudo pelos sectores da agricultura, indústria extractiva, hotelaria e restauração e transporte e comunicações.
No que concerne ao desempenho da BVM em 2022, mesmo tendo em que conta o contexto económico adverso, a instituição registou um crescimento dos principais indicadores bolsistas, como a seguir se apresenta de forma sumária. A capitalização bolsista teve um crescimento de +30,3% face ao ano anterior, representando um crescimento global de +165,4% no período 2017-2022. Já o rácio de capitalização bolsista face ao PIB, evoluiu para 24,5 % do valor de PIB (um crescimento de +29,6 % face ao ano anterior e de +142,6 % relativamente aos últimos 6 anos, de 2017 a 2022). O volume de negociação na bolsa, teve uma evolução de +38,2 % face ao ano anterior, e uma evolução de +498,1 % no período 2017-2022.
Por outro lado, o Índice de Liquidez do Mercado teve um acréscimo de +6,22 % em 2022 (e de +125,4 % no período 2017-2022). O número de títulos cotados na BVM foi de 65 títulos em 2022, um crescimento de 20,4% face ao ano anterior, e de +62,5 % face ao período 2017-2022. Embora em 2022 não tenha sido registada alteração no número de acções cotadas na BVM, já no período 2017-2022 o seu crescimento foi de +200,0% ao ter passado de 4 títulos para 12 títulos de acções. O financiamento à economia, quer ao sector público quer ao sector privado, teve uma subida de +24,2 % em 2022, e no período 2017-2022 a subida foi de +836,7 %, tendo sido este o indicador bolsista mais expressivo.
O montante de financiamento à economia através BVM ascendeu a 271.583 milhões MT, sendo 82,35 % ao sector público, e 17,65 % ao sector privado, revelador de que este último sector ainda não está a utilizar em pleno o mercado de capitais. A Central de Valores Mobiliários (CVM) apresentou dois indicadores bolsistas com níveis de crescimento positivos, isto é, o número de títulos e titulares registados na CVM teve um crescimento de +14,9 % e 4,9 %, respectivamente, sendo que no período de 2017-2022 foi de +482,9 % e +281,3 % ao passar, em 2016, de 41 títulos e 6.495 titulares registados, para 239 títulos e 24.763 titulares registados na CVM em 2022.
Durante o ano transacto, a BVM organizou a Conferência Internacional sobre Mercado de Capitais e Bolsas de Valores, realizou a 2ª Edição das Premiações BVM, lançou vários serviços de base tecnológica (Mobile App, Dashboard, Automatização de Boletim de Cotações, Portal do Investidor), inaugurou a Biblioteca da BVM, em parceria com o ISUTC promoveu o Curso de Introdução ao Mercado de Capitais, consolidou a parceria com o Secretariado do Terceiro Mercado de Bolsa (CTA, IGEPE, IPEME, OCAM e ISCAM), e fortaleceu a parceria com as Bolsa de Valores dos PALOP´s (BODIVA e BVC), e com instituições relevantes do panorama económico nacional, como a CTA, a ACIS e a AIMO, para citar apenas alguns exemplos.
A última grande operação de bolsa ocorreu com a Oferta Pública de Subscrição de Novas Acções da Tropigalia, em Novembro de 2022, tendo sido subscrito 92% do valor máximo pretendido, correspondente a uma colocação de 2.819.203 acções, disperso por 1.083 investidores, e permitiu um encaixe financeiro de 334 milhões MT (5,5 milhões USD). Esta operação, pela sua natureza e características, constituiu um novo referencial na história do mercado de capitais e da Bolsa de Valores em Moçambique, por ter sido a primeira vez que uma empresa totalmente privada foi ao mercado accionista para se financiar, e com sucesso. Em Dezembro desse ano, a Tropigalia foi admitida à cotação por 21,36% do seu capital social, correspondente a 6.519.203 acções, representativas da totalidade das acções da classe B da sociedade.
Na actualidade, as tecnologias são fundamentais para o funcionamento, a vitalidade e o bom desempenho das Bolsas de Valores. Uma Bolsa de Valores bem-sucedida depende de uma plataforma de negociação confiável, segura, eficaz e eficiente, que possa atender às necessidades de um grande número de investidores e emitentes e, no caso específico da BVM, de uma plataforma tecnológica de suporte a negociação e ao registo centralizado de valores mobiliários, assim como a compensação e liquidação financeira dos eventos corporativos das empresas registadas.
Para além do investimento nas plataformas tecnológicas que suportam as actividades ligadas ao “core business” das Bolsas de Valores, estas precisam investir em tecnologia de segurança de ponta para proteger seus sistemas contra “hackers” e outras ameaças cibernéticas. Isso inclui a implementação de “firewalls”, criptografia, autenticação de usuários e monitoramento em tempo real. Uma das maiores preocupações com a gestão de risco nas Bolsas de Valores, reside precisamente na abordagem dos riscos cibernéticos – que actualmente são considerados elevados – e na resiliência dos sistemas financeiros à esses riscos. A BVM atenta a esta ameaça de risco, tem dado particular relevo à questões relacionadas com políticas e planos de segurança cibernética, continuidade do negócio, recuperação de desastres e confidencialidade da informação.
Para a BVM, o uso da tecnologia para a análise de dados e a tomada de decisões melhor informadas é fundamental. Serviços como os lançados pela BVM nos últimos anos (Índice BVM, “Dashboard”, Aplicativo Móvel, Portal do Investidor, automatização do Boletim de Cotações, novo site, entre outros) são baseados na disponibilidade de informação, essencial para o mercado, os investidores, as empresas, as agências noticiosas, as entidades de “research” e outros actores que intervém no mercado de capitais.
As Bolsas de Valores colectam grandes quantidades de dados de mercado, e a tecnologia pode ser usada para analisar esses dados e fornecer informações valiosas aos investidores e outros intervenientes no mercado de capitais. Por exemplo, as Bolsas de Valores podem usar a tecnologia para fornecer análises de tendências de mercado, previsões de preços de acções e informações sobre o desempenho de empresas, sectores ou valores mobiliários específicos, sendo nessa perspectiva que a BVM está a trilhar, propiciando a oferta de plataformas tecnológicas que suportem uma ampla oferta de serviços (negociação, custódia, “research”, “home-broker”) e a sua ligação a entidades como as “fintechs”.
O Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE) para 2023 propôe-se a alcançar um crescimento do PIB de 5 %, manter a inflação estável na banda de um dígito no médio prazo, atingir 8,8 mil milhões de dólares norte-americanos em exportações de bens e serviços, constituir reservas internacionais líquidas para cobrir 3 meses de importação de bens e serviços não factoriais e alcançar um fluxo de investimento directo estrangeiro no valor global de cerca de 2,4 mil milhões de dólares norte americanos. Os principais sectores que vão contribuir para o crescimento económico anual são a agricultura, em toda a sua cadeia de valor, indústria extractiva e transformadora, transportes e comunicações, construção, educação, saúde e acção social, sendo o ano do relançamento da economia moçambicana, que ficou muito afectada pelos efeitos da pandemia da COVID-19 e do eclodir do conflito entre a Rússia e a Ucrânia.
A BVM está a preparar a segunda geração do seu Plano Estratégico para o período de 2023 a 2027, e nele a modernização tecnológica, o acesso à informação de mercado e a inovação de produtos e instrumentos financeiros serão os eixos basilares da estratégia institucional para alcançar, de forma efectiva e sustentável, alguns dos seus mais importantes objectivos estratégicos. O desempenho e as realizações da BVM em 2022, os sinais positivos evidenciados nos últimos meses de 2022, nomeadamente do reforço da actividade extractiva ligada ao complexo mineral-energético, bem como da diversificação da economia, o relançamento do turismo, a modernização da agricultura e a aposta na industrialização, fazem prever um ano de 2023 de retoma económica e de crescimento significativo do mercado de capitais e da Bolsa de Valores.
Estamos apostados em introduzir novos produtos e instrumentos financeiros para o mercado, como as Obrigações Sustentáveis, as Obrigações Municipais, o Certificado de Depósitos, entre outros, para trazer ao mercado novas alternativas de poupança, financiamento e investimento, para assim contribuir para dinamizar o mercado secundário. Queremos tornar o mercado de capitais um factor propulsor do sistema financeiro e do desenvolvimento económico sustentável do país, fazendo com que os empresários moçambicanos tenham acesso ao capital de risco para investir a um custo razoável, onde o papel dos fundos de investimento e do fundo de garantias mutuárias sejam mais relevantes no sistema económico.
Com informação de qualidade e relevante, tecnologias modernas e novos instrumentos financeiros podemos avançar, com confiança, para o alcance das metas definidas que são, até finais de 2027, ter 30 empresas cotadas e capitalização bolsista representando 35% do PIB. Mas é fundamental continuar a investir na educação e literacia financeira, na melhoria da gestão e governação das empresas, na “transformação da BVM numa instituição melhor posicionada e artilhada para ser um centro de negócios com ética”, na melhoria da qualidade da procura de produtos financeiros e na existência de incentivos atractivos para que as empresas, os investidores e a intermediação financeira usem mais e melhor o mercado de capitais.
A BVM vai continuar a trabalhar, em 2023 e nos anos subsequentes, para influenciar as empresas a terem melhores práticas de gestão, para que se reduza o risco de se investir no mercado accionista, para que o mercado tenha menores taxas de juros, e insuflar nova adrenalina no mercado moçambicano por via do incremento tecnológico, acesso à informação de qualidade para o mercado e inovação de instrumentos financeiros. Temos consciência que esses objectivos estratégicos estão também no escopo das diversas instituições que intervém no ecossistema do mercado de capitais em Moçambique, com as quais temos estando a manter uma parceria forte, diversificada e numa perspectiva de longo prazo.
[1] Presidente do Conselho de Administração (PCA) da Bolsa de Valores de Moçambique (BVM).
[2] ANTUNES, Sara (2022). Ganhar, Poupar, Investir: Como revolucionar as suas finanças e vencer a crise. Lisboa: Editorial Presença.
[3] SILVA, Miguel Gomes da (2022). Bolsa: Investir nos mercados financeiros. Lisboa: Bookout.
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