
Fundo de Garantia Mútua Entre o Discurso da Ambição e o Risco Real de Se Tornar Mais Uma Medida Ineficaz
Apesar do entusiasmo político e do anúncio presidencial de expansão do fundo para USD 120 milhões, as MPME continuam sem acesso efectivo ao crédito, bloqueadas por barreiras estruturais que o FGM, sozinho, não resolve.
- PR anuncia intenção de elevar o Fundo de Garantia Mútua dos actuais USD 40 milhões para USD 120 milhões;
- Medida foi recebida com expectativa, mas a adesão das MPME continua extremamente baixa;
- Bancos mantêm critérios rígidos, burocracia pesada e aversão ao risco, travando o acesso ao crédito;
- Problemas estruturais permanecem intocados: garantias, informalidade, contabilidade frágil e custo elevado do financiamento;
- Sem reformas profundas, o FGM corre o risco de repetir o destino de outros instrumentos que nunca saíram do papel.
O anúncio feito pelo Presidente da República na abertura da XX CASP — que o Fundo de Garantia Mútua poderá subir para USD 120 milhões — foi recebido com entusiasmo institucional. Mas, na prática, o instrumento continua praticamente inacessível para a maioria das MPME, esbarrando nas mesmas barreiras estruturais que há décadas impedem este segmento de entrar no circuito formal de crédito. A realidade do mercado financeiro, a postura prudencial dos bancos e a fraca capacidade empresarial do tecido produtivo estão a transformar o FGM numa medida que arrisca tornar-se mais simbólica do que eficaz.
O Anúncio e o Entusiasmo da Superfície
No seu discurso, o Presidente Daniel Chapo afirmou: “O que queremos, neste momento, é dizer que esse valor pode ir além dos 40 milhões de dólares, podendo alcançar até 120 milhões.”
A mensagem foi clara: há vontade política para robustecer o instrumento e colocá-lo ao serviço das empresas nacionais.
O Chefe de Estado sublinhou ainda que o fundo é uma “oportunidade para apoiar quem produz”, e instou o sector privado a aderir ao mecanismo como forma de superar o problema de garantias reais que tanto penaliza as MPME.
Mas a distância entre o anúncio e o impacto real continua larga. Os obstáculos que historicamente limitam o acesso das pequenas empresas ao crédito não desapareceram — e não serão resolvidos apenas com o aumento do envelope financeiro.
Expectativa Elevada, Resultados Mínimos: O Paradoxo que se Repete
Desde o seu lançamento, o FGM tem sido apresentado como solução transformadora. Porém, na prática, a adesão é mínima.
As MPME continuam a enfrentar:
- processos morosos e exigências documentais difíceis de cumprir;
- critérios bancários que não mudaram com a existência do fundo;
- taxas que permanecem acima da capacidade real de pagamento;
- fraca literacia financeira para preparar planos bancáveis;
- ausência de contabilidade credível para suportar a análise de risco;
- informalidade generalizada que inviabiliza a avaliação de solvabilidade.
Apesar do esforço comunicacional e da narrativa de facilitação, a porta de entrada continua quase tão estreita quanto antes.
O FGM Não Resolve as Causas Estruturais do Problema
A questão central permanece: o problema do financiamento às MPME não é falta de instrumentos, mas sim de condições estruturais.
A maioria das pequenas empresas não possui activos para oferecer como garantia, não dispõe de balanços auditados, funciona em modelos de informalidade ou semi-informalidade e opera com margens estreitas que não suportam o custo do crédito comercial.
A simples existência de um fundo de garantia não muda esta realidade.
A banca continua a aplicar os mesmos modelos de risco, centrados em garantias reais e rating financeiro — requisitos que a esmagadora maioria das MPME não consegue cumprir.
Enquanto estas condições não forem reformadas, o fundo será grande no papel, mas pequeno na prática.
O Sistema Bancário Não Acompanha a Ambição Política
O PR apelou ao sector financeiro para trabalhar com o Governo na operacionalização efectiva do fundo. Mas a lógica do mercado bancário não responde a apelos políticos:
responde a risco, colaterais, histórico financeiro e solvência comprovada.
Os bancos, por sua vez, continuam prudentes:
sabem que a informalidade, a falta de garantias e a volatilidade dos fluxos de caixa das MPME tornam o segmento de elevado risco.
O FGM não mudou a estrutura de incentivos nem reduziu as responsabilidades prudenciais das instituições financeiras.
O resultado é um impasse:
o Governo aumenta o fundo — mas os bancos não aumentam o apetite pelo risco.
O Perigo de Se Tornar Mais Um Instrumento Ocioso
Ao longo das últimas duas décadas, Moçambique criou diversos mecanismos financeiros para apoiar MPME. Muitos nunca foram plenamente utilizados.
O risco é claro:
se a fundamentação estrutural não mudar, o FGM pode juntar-se à lista de instrumentos que existem, mas não transformam.
O problema nunca foi falta de fundos;
foi — e continua a ser — falta de condições concretas para que as MPME possam tornar-se financeiramente bancáveis.
Para Financiar MPME, As Regras do Jogo Têm de Mudar
Se o objectivo é genuinamente promover o financiamento sustentável das MPME, não basta reforçar o fundo.
É preciso mexer no sistema:
- modelo de garantias adaptado a empresas sem activos fixos;
- avaliação de risco específica para micro e pequenas empresas;
- obrigatoriedade de quotas de financiamento destinadas às MPME;
- capacitação obrigatória em gestão e contabilidade para acesso ao fundo;
- incentivos prudenciais para a banca trabalhar com este segmento;
- digitalização e integração de dados económicos para reduzir assimetria de informação.
Sem estas mudanças profundas, o aumento do envelope financeiro será apenas mais um gesto simbólico, sem impacto económico real.
Entre a Ambição e a Realidade: O Verdadeiro Teste Começa Agora
O anúncio presidencial foi importante e sinaliza compromisso político. Mas o sucesso do FGM depende de algo mais profundo do que a vontade declarada.
Depende da capacidade de rever o sistema financeiro, disciplinar a banca, capacitar as MPME e criar incentivos reais para que o risco seja partilhado — e não transferido unilateralmente.
Se nada disso acontecer, o FGM corre o risco de ser mais um instrumento celebrado na tribuna e ignorado no balcão bancário.
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