
Banco de Desenvolvimento: O Instrumento que Pode Redefinir a Arquitetura Económica de Moçambique
- Iniciativa governamental procura colmatar falhas estruturais no financiamento, promover a industrialização e atrair capital para sectores estratégicos
O ponto de partida da iniciativa é o reconhecimento do défice estrutural de financiamento que condiciona a trajetória de desenvolvimento do país. De acordo com o African Economic Outlook 2024, África necessita de cerca de 250 mil milhões de dólares por ano para suprir as suas lacunas de investimento em sectores-chave como energia, infraestruturas, saúde e educação.
Moçambique, apesar de ter registado um aumento no Investimento Direto Estrangeiro (IDE) — de 2,51 mil milhões de dólares em 2023 para 3,55 mil milhões em 2024 — continua a captar apenas uma pequena parte do total canalizado para o continente, cerca de 4%. Este desempenho evidencia a necessidade de criar instrumentos nacionais que permitam mobilizar capital em escala compatível com os desafios internos.
O sistema financeiro nacional reforça esta urgência. Altamente concentrado em três bancos de importância sistémica que detêm mais de metade dos ativos, empréstimos e depósitos, o sector é marcado por taxas de crédito malparado que atingem em média 8,24% e que, em alguns casos, ultrapassam os 40%. O resultado é um sistema conservador, avesso ao risco, com reduzida capacidade de financiar projetos transformadores de longo prazo, especialmente no que diz respeito às micro, pequenas e médias empresas.
É neste contexto que o Governo propõe a criação do Banco de Desenvolvimento de Moçambique (BDM), concebido como resposta institucional para desbloquear financiamento estruturante e canalizar recursos para setores com elevado potencial de impacto económico e social.
Objectivos do BDM: Do Capital ao Impacto Social
O BDM é apresentado como uma instituição de referência capaz de mobilizar e canalizar capital nacional e internacional para financiar projetos estruturantes e transformadores. A sua missão é múltipla: promover a industrialização, apoiar as micro, pequenas e médias empresas com crédito acessível e assistência técnica, financiar iniciativas de impacto social em áreas como saúde, educação, habitação e agricultura, e reduzir riscos cambiais através da priorização do financiamento em moeda local.
Outro objetivo estratégico será atrair investidores institucionais domésticos, como fundos de pensões e companhias de seguros, oferecendo alternativas de investimento diversificado em conformidade com os requisitos regulatórios locais.

A Ministra das Finanças, Carla Louveira, destacou que o BDM deverá ser “uma referência capaz de mobilizar e canalizar capital nacional e internacional para financiar projetos estruturantes e transformadores em Moçambique, promovendo sectores prioritários e fortalecendo o ecossistema financeiro com o objetivo único de alcançar as metas de desenvolvimento do país”.
Desenho Institucional: Estado Único ou Parceria Mista?
Duas opções institucionais estão em debate. O primeiro modelo prevê o Estado como único acionista, assegurando um alinhamento total com as prioridades nacionais e uma governação simplificada. Esta configuração permitiria ao Governo mobilizar capital rapidamente através do Orçamento, mas limitaria a capacidade de atrair capital externo e conhecimento técnico internacional, além de aumentar a pressão fiscal e o risco de politização da instituição.
O segundo modelo, considerado o mais robusto pela equipa técnica, prevê uma estrutura de múltiplos acionistas, em que o Estado mantém pelo menos 60% das ações e os restantes 40% são reservados a parceiros estratégicos, como instituições financeiras de desenvolvimento e investidores institucionais. Este formato reforçaria a credibilidade do banco, atrairia capital e competências externas e garantiria maior sustentabilidade financeira, embora com maior complexidade de governação e necessidade de mecanismos de salvaguarda para que a missão de desenvolvimento não fosse comprometida.
Enquadramento Jurídico: Opções em Debate
O enquadramento legal é outro dos pontos centrais da discussão. Uma primeira opção seria integrar o BDM no regime já existente da Lei das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, o que asseguraria alinhamento com o sistema bancário em vigor. No entanto, esta via limitaria a flexibilidade da instituição, sobretudo no que toca ao uso de instrumentos de financiamento típicos dos bancos de desenvolvimento, como participações em capital próprio ou garantias.
Uma segunda opção passaria por introduzir alterações específicas a esta mesma lei, criando alguma margem de manobra regulatória, ainda que com riscos de insegurança jurídica e dependência de interpretações discricionárias.
Por fim, a via mais defendida pela equipa técnica é a criação de uma Lei Especial do BDM, que definiria com clareza o mandato de desenvolvimento da instituição, a sua estrutura de governação, os mecanismos de capitalização e as isenções prudenciais necessárias para o cumprimento da sua missão. Este enquadramento conferiria maior segurança jurídica, clareza institucional e flexibilidade operacional, em linha com as melhores práticas internacionais, como demonstram os casos do Development Bank of Southern Africa, na África do Sul, do PT SMI, na Indonésia, e do China Development Bank.
Impactos Esperados: Inclusão, Industrialização e Resiliência
O BDM é concebido como um instrumento estratégico de política económica. O seu impacto será múltiplo: financiar a industrialização e os grandes projetos de infraestrutura, promover a inclusão social e financeira ao ampliar o acesso ao crédito para as MPMEs e jovens empreendedores, reforçar a resiliência macroeconómica ao mitigar riscos cambiais, e atrair capital privado ao disponibilizar garantias e mecanismos de mitigação de risco.
O Secretário de Estado Manuel Rodrigues destacou precisamente esta ambição, afirmando que “na resposta aos desafios, uma das questões essenciais é o financiamento a projetos com potencial de alavancar a economia nacional, gerando ganhos para o país, empresas e população”.
Desafios e Condições de Sucesso
Apesar do potencial transformador, o sucesso do BDM dependerá de fatores críticos. Entre eles, a necessidade de assegurar independência política e proteger a instituição de interesses de curto prazo; a implementação de uma governação robusta, com conselhos de administração profissionalizados e auditorias externas regulares; a garantia de sustentabilidade financeira, equilibrando rentabilidade com mandato de desenvolvimento; a coordenação institucional eficaz entre o Ministério das Finanças, o Banco de Moçambique e os parceiros internacionais; e a formação de quadros técnicos capazes de gerir instrumentos de financiamento inovadores e complexos.
Um Marco Estrutural
Se bem concebido e implementado, o Banco de Desenvolvimento de Moçambique poderá transformar-se num marco na arquitetura económica do país. Corrigindo falhas históricas no acesso ao crédito de longo prazo, poderá atuar como catalisador da industrialização, da diversificação económica e da inclusão social.
A experiência internacional demonstra, contudo, que o êxito de uma instituição desta natureza depende menos da sua criação formal e mais da qualidade da sua governação, do enquadramento jurídico que a sustenta e da sua capacidade de atrair capital confiável e sustentável.
Moçambique tem diante de si uma oportunidade rara: estabelecer um banco que não apenas financie projetos, mas que ajude a redefinir a forma como o país valoriza os seus recursos, mobiliza investimentos e constrói um modelo de desenvolvimento mais inclusivo, resiliente e alinhado com as necessidades do seu povo.
 
                			
                                        			















