Governo E AT Reafirmam Legalidade Do Imposto E Defesa Dos Interesses Nacionais No Diferendo Com A Galp

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Questões-Chave:
  • A Autoridade Tributária de Moçambique (AT) reafirma que o pagamento do imposto devido pela Galp é um imperativo legal, no âmbito da venda de activos na Área 4 da Bacia do Rovuma;
  • O Governo considera o recurso da petrolífera portuguesa à arbitragem internacional como legítimo, mas garante estar apenas a defender os interesses fiscais e soberanos do Estado;
  • O valor em disputa poderá ascender a 336 milhões de dólares, incluindo 175,9 milhões já vencidos e outros 160 milhões condicionados à execução de projectos de gás;
  • O Centro de Integridade Pública (CIP) classifica o caso como um “teste à soberania económica de Moçambique”, alertando para o risco de “guerra de desgaste” face à assimetria financeira entre o Estado e a empresa;
  • A Galp, que já deu o primeiro passo para o processo de arbitragem no ICSID (Banco Mundial), afirma ter procurado “diálogo construtivo” e garante “total disponibilidade” para cumprir as suas obrigações fiscais.

O diferendo fiscal entre o Estado moçambicano e a Galp, relativo à tributação sobre mais-valias na venda da participação da empresa portuguesa na Área 4 da Bacia do Rovuma, entra numa nova fase. A Autoridade Tributária (AT) reitera a legalidade do imposto e confirma a cobrança coerciva da dívida, enquanto o Governo defende que está apenas a proteger os direitos e interesses dos moçambicanos no quadro da lei.

Em resposta à abertura de um processo arbitral internacional pela Galp, a Autoridade Tributária de Moçambique (AT) reiterou que o pagamento do imposto devido “é um imperativo legal”.
Em comunicado, a AT esclareceu que o valor em dívida, relacionado com a operação de venda da participação da empresa portuguesa à Abu Dhabi National Oil Company (ADNOC), é de 175,9 milhões de dólares, podendo ascender a 336 milhões de dólares em função de outras obrigações decorrentes da aprovação dos investimentos finais nos projectos Coral Norte FLNG e Rovuma LNG.

A instituição sublinha que, estando a operação sujeita a pagamentos diferidos, “ocorrendo aquando da decisão final de investimento dos projectos Rovuma e Coral Norte FLNG, será gerada uma obrigação tributária adicional de 160 milhões de dólares”.

O fisco explica ainda que, após o pedido da Galp para revisão do valor em causa, “o mesmo não foi aceite por falta de elementos que sustentassem a alteração”, e que, decorrido o prazo para o pagamento voluntário, “a dívida foi virtualizada para efeitos de cobrança coerciva”.

A AT informa que a empresa recorreu ao Tribunal Fiscal de Maputo, apresentando uma garantia considerada “não idónea”, razão pela qual o processo de execução prossegue.

Governo fala em defesa legítima dos interesses nacionais

O Governo de Moçambique, por intermédio do porta-voz Inocêncio Impissa, afirmou considerar normal o recurso da Galp à arbitragem internacional, sustentando que o Estado está apenas a exercer o seu direito de defender os interesses nacionais.

“O que se tem que garantir é que Moçambique tire todos os benefícios a que tem direito em qualquer projecto de exploração ou actividade que corresponda a ganhos provenientes dos seus recursos”, afirmou Impissa.

O porta-voz acrescentou que “não há exageros na postura do Governo”, salientando que “os moçambicanos devem observar ganhos que por lei lhes assistem”.
Impissa defendeu ainda que a arbitragem “é um fórum legítimo para discutir os direitos das partes”, mas frisou que Moçambique age “em conformidade com a legislação vigente e dentro dos limites de confidencialidade previstos na lei”.

Galp formaliza processo arbitral no Banco Mundial

A Galp confirmou que deu formalmente início ao processo de arbitragem junto do Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre Investimentos (ICSID), do Grupo Banco Mundial, notificando a intenção de avaliar a conduta do Estado moçambicano no litígio sobre o imposto de ganhos de capital.

“A Galp solicitará a avaliação da conduta do Estado moçambicano em relação ao litígio sobre o imposto sobre ganhos de capital decorrente da venda da participação na Área 4”, lê-se no comunicado remetido à Comissão do Mercado e Valores Mobiliários (CMVM).

A empresa portuguesa afirmou ter “demonstrado total disponibilidade para cumprir com todas as obrigações fiscais e para encontrar uma via de entendimento”, sublinhando que o recurso a mecanismos legais “é um passo que procurou evitar, privilegiando um diálogo construtivo com as autoridades moçambicanas”.

“Teste” à soberania económica de Moçambique

O Centro de Integridade Pública (CIP), organização da sociedade civil dedicada à monitoria da transparência e governação, considera o caso um verdadeiro “teste à soberania económica” do país.

Segundo a instituição, a AT notificou a Galp para pagar 162 milhões de euros (cerca de 12 mil milhões de meticais), resultantes da aplicação da taxa efectiva de 17,6% sobre uma mais-valia estimada em 920 milhões de euros. A Galp, porém, contesta, argumentando que a mais-valia tributável é de apenas 26 milhões de euros — valor 35 vezes inferior ao calculado pelo fisco.

O CIP sublinha a discrepância, recordando que, no mesmo período, a Galp reportou aos seus accionistas ganhos contabilísticos de 147 milhões de euros com a mesma transacção.
Para o CIP, o recurso da Galp ao ICSID, “com base numa cláusula de estabilização do contrato de concessão de 2007”, constitui uma “táctica de desgaste” que procura explorar a assimetria financeira entre a multinacional e o Estado moçambicano.

A organização alerta que esta estratégia poderá forçar o país a aceitar um acordo desfavorável, para evitar custos legais avaliados entre 6 e 8 milhões de dólares, equivalentes a cerca de 4% do imposto reclamado.

Casos anteriores de mais-valias em Moçambique demonstram que o Estado tem obtido ganhos significativos em operações semelhantes. Em 2017, a venda de participações da italiana ENI à norte-americana ExxonMobil rendeu 350 milhões de dólares ao erário público, enquanto a transacção entre a Anadarko e a Total resultou num encaixe de 880 milhões de dólares.

O diferendo actual, contudo, decorre num momento mais sensível para o Estado, marcado pela consolidação da exploração de gás natural e pela necessidade de reforçar as receitas fiscais num contexto de pressão orçamental e de escrutínio internacional sobre a gestão das receitas dos recursos naturais.

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