Revisão da Lei de Minas em Moçambique: Entre Expectativas de Transformação e os Desafios da Implementação

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Questões-Chave:

  • Proposta do INAMI prevê canalizar 10% das receitas mineiras para comunidades locais;
  • Reforma institucional contempla criação de uma Autoridade Reguladora e de uma Agência de Promoção Mineira;
  • Organizações da sociedade civil consideram percentagem proposta insuficiente e temem captura local dos recursos;
  • Experiências em países como Gana, Tanzânia e Papua-Nova Guiné oferecem lições relevantes;
  • Viabilidade e impacto da medida dependem de clareza institucional, participação comunitária efectiva e capacidade de execução.

O Instituto Nacional de Minas (INAMI) apresentou publicamente, esta semana, uma proposta de revisão da Lei de Minas que visa canalizar 10% das receitas obtidas pelas operações mineiras para o desenvolvimento das comunidades, distritos e províncias onde essas actividades decorrem. A medida inscreve-se num pacote mais amplo de reformas que inclui a criação de uma Autoridade Reguladora Mineira e de uma Agência de Promoção Mineira, no contexto de reestruturação institucional e de auscultação pública sobre o futuro quadro legal dos sectores de minas, energia e hidrocarbonetos.

Embora acolhida como um sinal positivo de que o Estado reconhece a necessidade de redistribuir os benefícios da extracção mineral, a proposta também suscitou críticas e dúvidas quanto à sua eficácia e ambição.

Uma Medida Emblemática, Mas Ainda Limitada

A proposta do INAMI representa uma inflexão relevante em direcção a uma abordagem mais inclusiva da política mineira. A ideia de partilhar receitas com as comunidades afectadas tem ganho expressão global como mecanismo de justiça distributiva e de construção de legitimidade social em torno dos projectos extractivos.

Contudo, a percentagem proposta – 10% – foi considerada “ínfima” por representantes da sociedade civil, como Fátima Mimbire, da ONG N’weti, que defende percentagens na ordem dos 50% ou mais, com repartição estruturada entre província e distrito.
“Não se trata apenas de transferir recursos, mas de reparar um desequilíbrio estrutural na forma como o país tem beneficiado – ou não – da exploração dos seus recursos naturais”, sublinha Mimbire.

Lições de Outras Realidades: O Que Diz a Experiência?

Países com características semelhantes a Moçambique, tanto em termos de estrutura económica como de dependência dos recursos naturais, oferecem lições importantes sobre a partilha de receitas com comunidades locais.

  • Gana: implementou, através da sua Lei de Minas de 2006, um mecanismo pelo qual 10% dos royalties da mineração são distribuídos a comunidades afectadas. No entanto, avaliações independentes indicam que a falta de transparência e o controlo político local sobre os fundos limitaram o seu impacto efectivo.
  • Papua-Nova Guiné: estabelece percentagens superiores de redistribuição (entre 20% e 30%), mas enfrentou sérios problemas de governação, com captura dos fundos por elites locais e fraca prestação de contas.
  • Tanzânia: adoptou reformas mais recentes que incluem cláusulas de conteúdo local e partilha de receitas, combinadas com fortalecimento institucional, obtendo resultados mais consistentes onde houve vontade política e envolvimento comunitário efectivo.

Estas experiências demonstram que a simples definição de uma percentagem não garante impacto transformador. A eficácia depende de quatro factores centrais: (1) desenho do modelo institucional de gestão dos fundos; (2) mecanismos de participação e fiscalização comunitária; (3) capacidade local de absorção e planeamento; e (4) alinhamento com estratégias de desenvolvimento territorial.

O Potencial Transformador: Oportunidade ou Ilusão?

Em termos de potencial, a proposta do INAMI pode representar um ponto de viragem para o modelo extractivo moçambicano, historicamente marcado pela exportação de matérias-primas em bruto e pouco retorno directo para as comunidades afectadas.

Se bem concebido e implementado, o modelo pode:

  • Reforçar a coesão social e reduzir tensões nas zonas de mineração;
  • Impulsionar investimentos locais em infraestruturas sociais, como escolas, centros de saúde e abastecimento de água;
  • Gerar emprego e oportunidades económicas locais, sobretudo se articulado com políticas de conteúdo local;
  • Estabelecer um novo contrato social entre o Estado, as empresas e as comunidades.

Porém, o risco é que a medida se transforme num instrumento de retórica, se não vier acompanhada de reformas na arquitectura institucional, de mecanismos robustos de fiscalização e de acesso público à informação sobre os fluxos financeiros.

Reflexões Finais: A Oportunidade de um Novo Paradigma

O momento de revisão da Lei de Minas oferece a Moçambique uma rara oportunidade para redefinir a sua relação com os seus recursos naturais. Mais do que ajustar percentagens, o desafio reside em construir uma política mineira centrada na redistribuição justa, na sustentabilidade, na industrialização e no enraizamento territorial do desenvolvimento.

A criação da Autoridade Reguladora e da Agência de Promoção poderá ser um passo nessa direcção, desde que venha acompanhada de capacidade técnica, independência, e clareza de mandatos.

Moçambique tem agora a possibilidade de evitar os erros do passado e de outras geografias, ancorando a sua reforma num modelo que privilegie equidade, transparência, participação e resultados concretos para os cidadãos.

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