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Helder Bovane Proprietario da Cerveja Mafalala

Cerveja Mafalala: um ano de sabor genuinamente moçambicano

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Já há um ano que as prateleiras dos restaurantes da Cidade de Maputo cedem espaço a uma nova proposta que agrada os seus clientes. Pelo mundo nem são conhecidas estas garrafas com tons de vermelho, amarelo e verde, mas a qualidade e o sabor não passam despercebidos, e quase que já não há locais de lazer que lhes negue destaque.

As bocas do mundo chamam-nas cervejas artesanais e há mais de 120 tipos espalhados pelos quatro cantos, divididos em três espécies: Ales – uma cerveja muito encorpada, a mais complexa –, Lagers – as mais comuns, mais leves em relação aos outras – e Lambics – com sabores únicos e processos de fabricação demorado, e estão entre as mais caras do mundo.

Trata-se de uma cerveja que nasce de um processo artesanal, obviamente mais cuidadoso em sua produção, focada na qualidade e diferenciação e, o mais importante, sem adição de químicos. Já as cervejas industrializadas têm por objectivo a produção em grande escala, priorizando apenas a quantidade e com menor concentração de ingredientes.

É, a cerveja artesanal, aparentemente comum… a cor leva-nos a esse terrível engano, é uma autêntica obra-prima, diga-se, cruza o sentimento e a criatividade, muito antes de espreitar para o universo comercial. É assim também com a Cerveja Mafalala, a cerveja artesanal que só se encontra em Maputo ainda que produzida na África do Sul.

Cerveja Mafalala

Ponto de partida

Cerveja Mafalala… esta é uma ideia que passeia nos neurónios do empresário moçambicano Hélder Buvana já lá vão nove anos, enquanto na África de Sul, onde esteve a trabalhar. Foi lá onde o exímio amante de vinho rendeu-se aos pés da cerveja, não uma qualquer, a artesanal.

Aliás, o mercado sul-africano é rico no que diz respeito a este tipo produção, várias pequenas marcas vão conquistando o espaço desde há muito assumido pela indústria temível do vinho. São perto de 20 microcervejeiras hoje em dia, e para não ficar só nas prateleiras, até há festivais em que a cerveja artesanal é a principal atracção.

“Fiquei a saber que existem cervejas artesanais e (logo) ganhei o gosto pela cerveja”, afirmou Buvana, visivelmente encantado com o conceito. “A partir dai”, prossegue, “comecei a fazer visitas a fábricas de cervejas artesanais”, e, mais do que isso, ousando, comprou um kit e arquictetou uma experiência: produção caseira em pequenas quantidades, cerca de 20 a 25 litros. Uma aventura que teve como parceiros os livros e, sem querer limitar, outras fontes de informação.

Buvana, no fundo, seguiu o itinerário de surgimento das microcervejeiras pelo mundo, em que tomam uma base caseira com uma produção entre 1000 e 20.000 litros, mas que depois evoluem, produzindo milhões de litros. Agora existem aos montes, em África e no mundo, e só no Brasil, a título de exemplo, vão por ai 100 fábricas.

Hélder Buvana – Proprietário da Cerveja Mafalala

Mais tarde, complementa Buvana, colocou a receita na mochila e foi à procura de um especialista que desse um parecer científico e as devidas afinações.

Nos primeiros instantes de 2016 houve uma intensão de compra do material para a criação de uma fábrica, mas a ideia foi abortada por conta da depreciação do metical face ao dólar. Só em Dezembro do ano passado, dois anos depois, através de uma fábrica situada na África do Sul, dá-se o lançamento da primeira cerveja: a Clássica. Depois seguiram a Lager e a de Trigo.

A Clássica, comparativamente as outras, só está disponível à pressão. E Buvana justifica: “porque não leva nenhum conservante, obviamente não podíamos colocar na garrafa e dar um tempo de vida útil um pouco mais prolongado de modo que pudéssemos comercializar.”

Porque o bolso tem sido o maior sacrificado quando se empreende, neste triunfal início foi crucial um investimento de USD 700 mil, valor que entre outros contempla viagens de pesquisa, marketing e equipamento.  Um encaixe que diariamente tende a subir, dado a constante necessidade de progredir.

“No fundo é tudo nosso”

A relação que a Cerveja Mafalala tem com a fábrica é uma mera parceria. “No fundo é tudo nosso, é desenvolvido pela Mafalala, a marca e o conteúdo”, orgulha-se. Ora vejamos, Hélder Buvana compra os ingredientes e importa para África do Sul. Já a fábrica, nas suas largas competências, trata da produção e engarrafamento.

É uma cadeia que, de acordo com o optimismo do seu produtor, tem dias contados, pois “já estamos em processo de compra do nosso equipamento, apenas estamos a finalizar um dado importante – que é definir uma quantidade que seja comercialmente viável para Moçambique”. E não é um compromisso distante, pelo menos as suas palavras asseguram: “para o próximo ano, de certeza, vamos produzir pelo menos uma ou duas variantes (de bebida) em Moçambique”.

O que é praticamente impossível não vir da África do Sul são as garrafas e as caixas de papelão. Moçambique ainda não produz esse material.

Restaurante Buso

Desde a primeira produção e o stoque ainda prevalecente, a Cerveja Mafalala gerou cerca de 20 mil litros, onde uma boa parte do consumo tem sido claramente a Cerveja Clássica. Em um ano de produção contínua, esta cervejeira, em média, facturou 200 meticais por litro, ou seja, quatro milhões de meticais.

A cerveja Lager custa 70 meticais e a de Trigo são 75, e em alguns sítios com grande volume de compra o valor é relativamente baixo, um preço definido com base no custo. “Ela (a cerveja) está em Moçambique a um preço que não se encontra na África do Sul”, assegura o cervejeiro.

“Mafalala” perfila em 30 lugares

Já são 30 lugares em que se pode saborear a Cerveja Mafalala, entre os restaurantes, bottle stores e distribuidores. Por enquanto só se bebe “Mafalala” em Maputo, ainda que por via de alguns distribuidores “arranhe” outros espaços. E é propósito da cerveja “passear”, pelo menos agora apenas em Maputo. Afinal, a sua capacidade de produção ainda não permite largos voos, “temos de crescer de uma forma controlada”, pondera.

A Cerveja Mafalala conta com três grandes distribuidores, mas dado o historial da cerveja artesanal, o foco da “Mafalala” são os restaurantes, porque “temos a noção de que uma cerveja artesanal não pode vender em vários pontos e porque não estamos a produzir localmente, a gestão do barril é complicada”.

Fachada do Restaurante Buso

Essência da Cerveja Mafalala

A Cerveja de Trigo é feita ao estilo belga, leva, obviamente, malte de trigo (180g/l), lúpulo, fermento e água. Trata-se de uma cerveja turva porque não é filtrada e leva, também, sementes de coentro e raspas da casca de laranja.

Diferentemente da de Trigo, as cervejas Clássica e Lager são a base do malte de cevada. A Clássica tem maior concentração do malte (200g/l), por isso é mais densa e com sabor mais a chocolate. A Lager, por sua vez, é ao estilo que os moçambicanos mais conhecem. A diferença é que apresenta mais concentração de malte (150g/l)

O trigo usado na cerveja é importado, fruto de viagens em vários países que Buvana fez enquanto pesquisador da melhor receita.

Para o cervejeiro não é crucial que sejam produtores locais a fornecerem esta matéria-prima, pois no seu entender em Moçambique o trigo é mais útil para pão – um produto de primeira necessidade – do que para cerveja. Entretanto, o mentor da “Mafalala” não veda a possibilidade de se criar variantes locais, onde produtores moçambicanos produzam o lúpulo, até porque, segundo Buvana, já iniciaram conversações com um casal para o efeito. Fora isso, Buvana diz que pretende incluir os moçambicanos, por exemplo, na contratação de empresas para a exportação da cerveja, pois alguns já se predispuseram nesse sentido.

A Cerveja Mafalala, primeiro, segue todos os parâmetros de importação da cerveja, que envolve autoridades da Agricultura e Saúde. Aliás, a fábrica que produz é a maior de produção na África do Sul. Enquanto marca, também, a Cerveja Mafalala está registada como produto nacional e, logicamente, é a primeira marca que beneficia totalmente os moçambicanos, pois cada gole que cai pela garganta adentro reflecte no bolso dos moçambicanos.

Enquanto empresa, a Cerveja Mafalala emprega seis pessoas e via o Restaurante Buso – curiosamente, o único local onde é possível sorver a Clássica – são 19, totalizando 25 pessoas.

Se cada cerveja artesanal tem um restaurante singular para a sua degustação, a Cerveja Mafalala tem o Buso. O restaurante está situado no Bairro da Costa do Sol e preserva um ambiente rústico, ideal para uma tarde em família. Porque há sempre uma moda por detrás das cervejas artesanais, camisetas e bonés e copos acompanham a propaganda: “o espirito de independência”

“Mafalala”: mais do que cerveja

Esplanada do Restaurante Buso

Hélder Buvana quando pensou em criar uma cerveja artesanal verdadeiramente nacional não podia ter escolhido outro nome. Esta escolha transcende o imaginário colectivo enquanto bairro que une os moçambicanos em várias vertentes. Afinal, foi na Mafalala onde Buvana, o pai do Hélder, viveu e conheceu a mãe do nosso cervejeiro. Só saíram arrastados pelas cheias para Luís Cabral, mas a história do histórico bairro foi a si contada minuciosamente e isso nunca fugiria do dicionário do Buvana filho na altura de atribuir um nome a uma cerveja que vende o espírito de independência. Até porque não há nenhum bairro do país que se possa orgulhar de ter lutado pela independência, muito antes da guerra, do que a Mafalala.

Estampar Mafalala nas garrafas é, acima de tudo, homenagear o passado dos Buvanas e, porque não,  de todos os moçambicanos, o que seria terrivelmente difícil concretizar por via de uma outra designação.

Um espírito empreendedor invejável

Hélder Buvana, ainda que com um imensurável apreço por Mafalala, nasceu em Malhazine, um dos bairros suburbanos da Cidade de Maputo, também responsável por forjar talentos, sublinhe-se. Viveu lá até aos 21 anos, mas antes de sair estudou na escola primária com o mesmo nome do bairro, como também no Bagamoio – um bairro vizinho – depois Lhanguene e Manyanga, já na zona de cimento.

Começou a trabalhar aos 23 anos. Para além de uma empresa estatal integrou uma firma internacional de procuremet e logística. Com sede dos estudos interrompeu o trabalho para se dedicar unicamente à formação, na África do Sul, onde adquiriu o mestrado em Gestão de Negócios.

A veia empreendedora sempre falou mais alto, mesmo envolvido em várias empresas de gabarito internacional entre África do Sul e Moçambique. Criou primeiro a empresa de distribuição e Logística chamada Sem Custos, mas porque fundar uma empresa tinha custos decidiu vender a sua parte em 2013 e seguir o sonho de abrir uma microcervejeira.

Buvana não só é dono da iniciativa, como também desenhou cada partícula do líquido da “Mafalala” que jorra pela goela abaixo. Não teve uma formação propriamente. Não, calma ai: são nove anos de profundos estudos e sempre que viaja tem um cuidado de espreitar cervejas artesanais; e já vão 55 pelo mundo, a frisar Estados Unidos de América, Alemanha, Bélgica, Namíbia.

Não é uma cerveja que caiu do céu, já foi testada em vários lugares. E mais, o nosso interlocutor acrescenta que na equipa de produtores existe uma pessoa com vários anos no maior grupo mundial de cerveja, sem contar com dois mestres cervejeiros.

Uma das críticas que teve dos especialistas, na altura, confessa Buvana, foi que apostou-se numa cerveja lager fácil de beber, o que foge da essência das cervejas artesanais. Isso deveu-se, como explica Buvana, à melhor inserção no mercado moçambicano, mas promete apostar numa variante mais rica com o lúpulo nos próximos tempos. Mas isso não põe em causa nem tampouco a qualidade, pode ser beber a “Mafalala” à vontade.

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