África Recebe Apenas Fragmentos da Transição Energética Global: AIE Alerta Pqara Riscos de Exclusão Sistémica

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Questões-Chave:

  • África representa 20% da população mundial, mas capta menos de 3% do investimento global em energia;
  • Mais de 600 milhões de africanos ainda não têm acesso à electricidade e mil milhões vivem sem acesso à energia limpa para cozinhar;
  • Investimentos públicos e de instituições financeiras de desenvolvimento (DFIs) caíram um terço na última década;
  • Regiões como África Subsaariana permanecem subfinanciadas, apesar do crescimento populacional e da procura energética;
  • AIE defende aumento estratégico do financiamento público e da mobilização de capital privado para reverter o desequilíbrio.

Apesar do discurso global sobre uma transição energética inclusiva e sustentável, África continua na periferia da transformação. O mais recente relatório da Agência Internacional de Energia (AIE) mostra que o continente africano permanece severamente subfinanciado, com profundas desigualdades regionais e um ritmo de progresso muito aquém dos compromissos internacionais de acesso universal à energia até 2030.

  1. O Retrato Crítico: Desigualdade Estrutural na Distribuição do Investimento

A África apresenta fortes desequilíbrios regionais. Países do Norte de África e a África do Sul, que somam menos de 20% da população continental, concentram mais de 45% do investimento energético e 65% da capacidade eléctrica instalada. Já a África Subsaariana, onde se encontra a maior parte da população, permanece com acesso limitado à electricidade fiável e recebe uma fatia mínima do capital investido.

O avanço nas novas ligações tem sido lento: mais de 600 milhões de pessoas continuam sem acesso à electricidade, e mais de mil milhões dependem de métodos poluentes e inseguros para cozinhar — um indicador claro do fracasso da promessa global de acesso universal à energia limpa.

Transição em Marcha, mas Fora do Centro

Nos últimos 10 anos, metade do investimento energético em África foi canalizado para petróleo e gás, com foco na exportação. Os investimentos em energia limpa mantiveram-se praticamente estagnados até 2021, com valores abaixo dos 30 mil milhões de dólares anuais. Contudo, custos tecnológicos mais baixos e o reconhecimento do solar fotovoltaico como a fonte de energia mais barata em muitos países africanos começaram a mudar o cenário.

Desde 2019, o investimento privado em energia limpa triplicou, subindo de 17 mil milhões para quase 40 mil milhões de dólares em 2024 — um sinal positivo, mas ainda insuficiente.

Financiamento Público em Queda e o Efeito da Retirada Chinesa

Um dos dados mais preocupantes é a redução de um terço no financiamento público e institucional para energia em África, que caiu para 20 mil milhões em 2024. A maior parte desta quebra está associada à diminuição em mais de 85% do financiamento das instituições financeiras chinesas de desenvolvimento, que eram actores centrais na década anterior.

Estes fundos públicos e concessionais são particularmente importantes para mercados emergentes, tecnologias em estágio inicial ou regiões de baixo retorno comercial, onde o sector privado tem pouca capacidade ou interesse em intervir.

Capital de Risco: Promessa e Limites

O relatório destaca o papel das firmas de capital de risco e private equity, que têm financiado projectos de acesso à energia em pequena escala — sobretudo em solar fora da rede (off-grid). Desde 2015, 40% do capital destinado a start-ups de acesso energético foi proveniente de capital de risco.

No entanto, o valor médio dos investimentos permanece baixo (cerca de 7 milhões de dólares por projecto), e os receios de rentabilidade levaram a uma reorientação para sectores emergentes, como os veículos eléctricos (com 70 milhões investidos em 2023) e energia solar para uso comercial e industrial, considerados mais seguros do que o mercado residencial.

Uma Transição Incompleta: O Que Falta Fazer?

A AIE é clara: sem um aumento coordenado do financiamento público internacional e políticas nacionais ambiciosas, África corre o risco de ficar estruturalmente excluída da nova era energética.

Entre as recomendações constam:

  • Mobilizar capital privado com instrumentos de garantia e mitigação de risco;
  • Alavancar financiamento climático internacional com foco em projectos transformadores;
  • Desbloquear o potencial do investimento descentralizado, com soluções off-grid e mini-redes;
  • Reforçar os quadros regulatórios e tarifários para atrair projectos bancáveis;
  • Estimular parcerias para transferência de tecnologia e capacitação local.

O novo paradigma energético global está em construção — mas sem África na equação, não haverá verdadeira transição nem justiça climática. Moçambique e os seus parceiros regionais devem posicionar-se com ambição, usando os dados da AIE como base para um novo plano estratégico de atracção de investimento, criação de infra-estruturas e expansão do acesso energético.

A transição energética não é apenas sobre carbono. É sobre quem tem acesso à energia, a que custo e com que impacto social. E neste momento, a exclusão de África não é um detalhe — é um abismo.

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